Karl Marx (1818-1883), filósofo alemão, que influenciou os séculos XIX e XX e que segue influente no século XXI, é um dos maiores críticos da sociedade capitalista, que não pode ser sem a captura da subjetividade humana, sem a exploração do trabalho e a sua forma de sustentação e organização política, o Estado. O pensamento de Marx é um rompimento com a tradicional Filosofia Política, de Platão a Hegel, que defende o aperfeiçoamento, mas nunca a negação, do Estado, como se este fosse um fenômeno natural, necessário, logo insuperável. Em vez de pensar o melhoramento do Estado, Marx defende a impossibilidade dele ser aperfeiçoado, de ser uma instância necessária, por meio da qual os homens têm, como pensam Maquiavel, Hobbes e Locke, a garantia da liberdade, da igualdade e da justiça.
A tradição da Filosofia Política tomou também o Estado como uma esfera universal, racional e livre. Para Marx, universalidade, racionalidade e liberdade são incompatíveis com o próprio Estado, que é histórico, particular, irracional, por legitimar a propriedade privada, por justificar a exploração e encobrir a violência do capital sobre o trabalho. O Estado também não é autônomo, independente, neutro, acima da sociedade, mas condicionado por ela, como instrumento não só de organização e legitimação, mas também de dominação. O Estado não tem também fins próprios, pois ele atende a fins particulares para assegurar a propriedade privada e garantir a reprodução do capital. Assim, o Estado é impotente para resolver os problemas sociais, como miséria, desemprego, falta de saúde e educação para todos, pois o máximo que ele pode é assegurar reformas, como medidas paliativas, como remédios provisórios, mas sem resolver, de forma concreta, a exploração e a violência, próprias da sociedade capitalista.
A crítica de Marx é não só ao Estado, mas também à forma particular da política moderna. Há no seu pensamento uma concepção dupla da política, isto é, uma concepção positiva e uma negativa da política. Positivamente, a política não como afirmação da política liberal-burguesa, mas em dois sentidos precisos: por um lado, como uma dimensão humana, voltada para a comunidade, para o bem comum; por outro lado, como uma dimensão particular, como na sociedade capitalista, em que a política, mesmo limitada, deve ser realizada como protesto do homem contra a vida inumana, como ferramenta para a emancipação universal ou humano-social. Negativamente, no sentido de ressaltar os limites de uma determinada forma de política, da política democrático-burguesa, ou seja, as restrições da política no interior da sociedade capitalista, pois que ela não é onipotente, absoluta, que não pode resolver os males do capitalismo sem a negação do próprio capital e de suas formas de sustentação, como a exploração do trabalho alheio, a propriedade privada, o Estado e a democracia formal, representativo-burguesa.
Não se trata aqui de deixar de fazer política, de simplesmente negá-la. Não é isto que Marx pensa. Para ele, a política não deve ser uma atividade exercida por uns em nome dos outros, como na democracia burguesa, mas uma atividade mediadora para a emancipação humano-social; ou seja, como condição prévia e necessária para a autoconstrução ou autoedificação do homem, ou melhor, uma atividade consciente para a realização de uma comunidade plenamente humana, constituída de indivíduos potencialmente livres e iguais.
Eduardo Chagas é professor do Programa de Pós-Graduação em Filosofia e em Educação da Universidade Federal do Ceará (UFC)