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Nova série brasileira da Netflix, "Boca a Boca" retrata epidemia transmitida pelo beijo
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João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.

João Gabriel Tréz arte e cultura

Nova série brasileira da Netflix, "Boca a Boca" retrata epidemia transmitida pelo beijo

Nova produção brasileira da Netflix, série "Boca a Boca" - criada pelo cineasta Esmir Filho - parte de doença misteriosa para refletir sobre tolerância e liberdade no Brasil
Tipo Opinião
Chico (Michel Joelsas), Alex (Caio Horowicz) e Fran (Iza Moreira) estão no centro da trama (Foto: VANS BUMBEERS / DIVULGAÇÃO)
Foto: VANS BUMBEERS / DIVULGAÇÃO Chico (Michel Joelsas), Alex (Caio Horowicz) e Fran (Iza Moreira) estão no centro da trama

É difícil não se impressionar com as correlações entre alguns dos recursos dramatúrgicos trazidos pela série “Boca a Boca” - que estreou na Netflix na última sexta, 17 - e o contexto pelo qual o mundo vem passando nos últimos quase cinco meses. A obra, criada pelo cineasta paulistano Esmir Filho há dois anos, apresenta uma ruptura na “pacata” e ruralista cidade fictícia de Progresso: uma misteriosa síndrome passa a acometer os adolescentes do local e, suspeita-se, a contaminação é pelo beijo. Surto epidêmico, isolamento, máscaras e álcool em gel são alguns dos elementos que compõem a série e que encontram ressonância no contexto da pandemia global da covid-19. No entanto, os códigos são elaborados de forma distinta na ficção e funcionam como peças de uma construção maior, que intenta - a partir dessa proposição com ares de premonitória - refletir sobre liberdades individuais, relações interpessoais e tolerância com aquilo que é diferente.

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No protagonismo de “Boca a Boca”, está o trio formado por Alex (Caio Horowicz), Fran (Iza Moreira) e Chico (Michel Joelsas), estudantes da Escola Modelo que reúne todos os adolescentes da pequena cidade. Fora das fronteiras da cidade, uma misteriosa aldeia é mal vista pelos agentes de controle de Progresso - notadamente, os pais e a diretora do colégio, Guiomar (Denise Fraga) - e a doença é rapidamente ligada a esse perigo exterior quando os primeiros casos começam a surgir após a juventude da cidade ir a uma festa proibida promovida pelos aldeões.

A atmosfera fantástica da obra, Esmir atenta, é uma continuidade dos trabalhos anteriores do artista no cinema, como o longa “Os Famosos e os Duendes da Morte” (2009) e o curta “Saliva” (2007). O encontro frutífero com a cineasta Juliana Rojas - que dirige os últimos dois episódios da série - é bem-vindo para aprofundar esse trabalho de gênero. Ela é diretora de filmes como “Sinfonia da Necrópole”, “Trabalhar Cansa” e “As Boas Maneiras”, que trazem exercícios inspirados de terror, suspense e musical. “Ambos lidamos com o cotidiano e vamos para um mundo fantástico e, juntos, potencializamos isso”, considera ele.

“Quando a gente criou o contexto de ser uma epidemia na série, estudamos o histórico delas no mundo e ele mostra comportamentos muito semelhantes. Existe pânico, medo, desconfiança, preconceito”, elenca Esmir. “É muito o que aconteceu agora e a gente viu latente. É claro que é impossível não associar, mas se você assiste à série percebe que o que a gente tá tratando ali já eram temas relevantes antes da covid-19 e que se salientaram ainda mais. A epidemia é um ponto de partida para a gente focar nas relações pessoais - de amizade, amor, entre pais e filhos, no âmbito da comunidade. A gente usou uma síndrome fictícia para lançar uma lupa nas problemáticas contemporâneas no Brasil”, aponta.

As marcações entre “nós” e “eles” são fortes na obra, presentes tanto na relação de Progresso com a aldeia quanto na estrutura social da própria cidade, dividida entre quem mora nas chamadas “sede” - os mais ricos - e “colônia” - os mais pobres. O aspecto moral, no entanto, é complexificado e não se limita a ser própria de uma geração específica. “A moral não está ligada ao fato geracional, mas à sensibilidade e ao respeito diante de um outro, ao interesse de entender aquele que você não entende. É uma série sobre tolerância, sobre conviver com diversos tipos de desejos e pessoas e pensamentos”, define Esmir.

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Somando-se à narrativa proposta, as escolhas estéticas de “Boca a Boca” operam de forma importante. A síndrome, explica o criador, revela-se inicialmente a partir de uma mancha estranha na boca que, com o tempo, passa a brilhar no escuro. A presença do neon e de cores como rosa, azul e roxo é uma constante. “A dualidade do rosa e azul, que é terrível, era discutida na época (da criação da série), mas em 'Boca a Boca' existe a fusão das cores, tem um pensamento a partir disso. Como vejo a série como uma ode à liberdade do corpo, ela questiona as dualidades e propõe um rompimento das fronteiras que a gente coloca para as coisas”, relaciona. A intenção, revela Esmir, é aprofundar essas reflexões e as narrativas expostas na temporada. “É uma série de mistérios, então a gente levantou alguns deles (na temporada) e tem muita vontade de continuar. Não tem a segunda temporada confirmada, mas nós, roteiristas, temos tudo planejado. Na minha cabeça eu sei o que vai acontecer com cada um”, instiga.

Boca a Boca

Já disponível na Netflix
6 episódios
Criada por Esmir Filho
Direção de Esmir Filho e Juliana Rojas
Com Caio Horowicz, Iza Moreira, Michel Joelsa, Thomás Aquino, Denise Fraga e Grace Passô

Foto do João Gabriel Tréz

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