"O que Jesse James foi para os Estados Unidos, Lampião foi para o Brasil, e até mesmo em dose mais forte", diz a orelha do livro do historiador Billy Jaynes Chandler, que escreveu o que talvez seja a mais importante obra sobre o cangaceiro. Soaria provinciano, não fosse Lampião, o rei dos cangaceiros a obra de um americano.
Cem anos atrás, Virgolino Ferreira da Silva - conforme a grafia com "O" de sua certidão de nascimento - entrou em definitivo para o cangaço, ao se unir ao bando do cangaceiro Antônio Matilde, por volta de 1920. Já estavam envolvidos em episódios de violência. Desde 1918 os irmãos Ferreira só andavam armados e usando chapéu com aba virada na frente, lenços no pescoço e cartucheiras - trajes de bandidos profissionais. O apelido Lampião já havia surgido. A aliança com Matilde, porém, institucionalizou o ingresso no cangaço.
Em 29 de julho de 1938, jornais do Brasil e do mundo trouxeram a notícia de que o bando criminoso que espalhou violência pelo semiárido havia sido emboscado e morto no dia anterior. Há 82 anos, em 28 de julho de 1938, chegou ao fim a vida de Virgolino Ferreira da Silva. E cresceu a lenda de Lampião. A notícia saiu no mesmo dia no O POVO e no New York Times.
Passados 80 anos, não se tem a dimensão do interesse e curiosidade mundiais despertados pelo chefe de um bando criminoso que nunca pisou numa capital de estado e restringiu suas atividades às regiões mais pobres de um País então ainda mais periférico. Durante 16 anos, foi o criminoso mais temido, procurado e também admirado dos sertões. Não há paralelo em trajetória tão duradoura e bem-sucedida nesse tipo de atividade.
A morte de Lampião foi festejada mesmo em locais dos quais o cangaceiro jamais chegara perto. "A notícia, como era natural, causou viva sensação no Rio, cuja população aguardou com enorme ansiedade sua confirmação", informou O POVO naquele dia. A festa na então capital federal era previsível, pois o combate ao cangaço se tornara questão de Estado para o governo Getúlio Vargas. Estava em seu começo a ditadura do Estado Novo - e nada era mais velho e atrasado que o cangaço.
A ansiedade quanto à confirmação, relatada pelo O POVO, era previsível. Em pelo menos oito ocasiões, houve informações falsas sobre a morte do "rei do Cangaço". A última delas havia surgido em Sergipe e divulgada em 12 de janeiro no O POVO e um dia depois no New York Times: "Nº 1 bad man dies in his bed in Brazil" - "Homem mau número um morre em sua cama no Brasil". A informação, equivocada, apontava que Lampião teria sido vitimado por tuberculose.
5 curiosidades sobre Lampião
O governador Lampião
Talvez em certa bravata, Virgolino Ferreira da Silva dizia sonhar em ser governador de um novo estado sertanejo, formado com porções de Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe.
Homem de fé
Lampião era descrito como alguém profundamente religioso. Tinha respeito pelos padres, em particular Cícero Romão Batista. Rezava sempre ao meio-dia, relataram seus ex-colegas. Às sextas-feiras, praticava jejum. Na Semana Santa, não comia carne e suspendia as operações.
Lampião contra o progresso
Virgolino Ferreira da Silva procurava combater ao máximo os avanços nos transportes e comunicações. Sua atuação dependia do isolamento, das dificuldades de deslocamento e da demora para as informações circularem nos sertões. Por isso, incendiava estações de trem, cortava fios de telégrafo. E investia contra construções de estradas.
Virgolino, o parteiro
A presença de mulheres no cangaço trouxe como problema a ser administrado pelo bando a realização dos partos. O próprio Lampião realizava os procedimentos. Havia sido vaqueiro quando criança e usava o aprendizado adquirido ao ajudar os animais a dar à luz as crias. Pelas circunstâncias, as mulheres não recebiam cuidados adequados nem durante nem depois do parto. Muito menos antes.
Expedita, a princesa do cangaço
Em 1932, nasceu Expedita, filha de Lampião e Maria Bonita. A menina foi entregue a um aliado de confiança de Lampião, em Sergipe, com a orientação de a mandarem para João Ferreira, único dos irmãos Ferreira a não entrar para o cangaço. O parentesco da menina era "segredo de Estado". Após o parto, o destino a ser dado às crianças era outro problema a ser administrado no cangaço.