"Há um museu do pênis na Islândia. O que é bem legal. Mas não existe equivalente da vagina em nenhum lugar do mundo. Ficamos bastante irritadas, mas pensamos que há apenas uma maneira de corrigir isso: fazer um". Nos idos de 2019, a comunicadora, humorista e bioquímica Florence Schechter inaugurou em Londres o Museu da Vagina. Primeiro do mundo, o espaço tem a missão de quebrar mitos e tabus sobre a anatomia ginecológica por meio da informação. Localizado no famoso Mercado de Camden e com entrada gratuita, o museu nasceu após uma campanha de financiamento coletivo — contudo, encontra-se atualmente fechado em virtude da pandemia de Covid-19. Para manter a instituição funcionando, o trabalho de uma voluntária cearense tem sido fundamental: a design Lara Machado.
Filha de professores da rede pública de ensino, Lara tem apenas 25 anos, mas já acumula experiências diversas no currículo. Em 2015, ainda aluna do curso de Design da Universidade Federal do Ceará, a fortalezense foi selecionada pelo programa Ciência sem Fronteiras para estudar na Design na Goldsmiths University of London, situada na Inglaterra. De volta ao Brasil em 2017, Lara concluiu a graduação em 2018 e no mesmo ano candidatou-se a uma bolsa de mestrado pela Chevening Scholarship, iniciativa do governo britânico que visa o desenvolvimento de líderes globais. Única cearense escolhida nesta aplicação, a designer retornou ao Reino Unido para cursar pós-graduação em Curadoria de Design Contemporâneo na Kingston University.
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"Conheci o Museu da Vagina no ano passado. Estava escrevendo um artigo para o mestrado sobre a importância de colocar um objeto que seja significativo para a história das mulheres na coleção do Museu de Design de Londres e fui visitar o Museu da Vagina. Eu me apaixonei, a primeira exposição era sobre quebra de mitos em relação à vagina e foi transformadora essa experiência. Logo fui me informar sobre como me envolver com o museu de alguma forma", relembra Lara. Hoje, a profissional é assistente de galeria voluntária na instituição e única brasileira na equipe de colaboradores.
Com o encerramento temporário das atividades presenciais do Museu da Vagina durante a pandemia, as vendas da loja de produtos — maior fonte de renda — foram interrompidas e diversas funcionárias e voluntárias se uniram para manter financeiramente o espaço. Nesse intuito, Lara criou quatro layouts que estampam cartões postais e de aniversário, marcadores de livros, imãs de geladeira, adesivos, cadernos, camisas e máscaras. Lançadas em meados de junho, as máscaras feitas com camada dupla de tecido e bolso integrado para filtros descartáveis se esgotaram em menos de 12 horas de vendas. Entre os designs produzidos por Lara, o uso do sutiã e a relação com a menstruação são questionados e repensados.
"O layout mais reproduzido é 'feminist af' ('feminist as fuck', em tradução livre, 'feminista pra porra'). É bater no peito e dizer 'sou feminista sim', já que é um termo que vem carregado historicamente de tipo várias conotações. Eu acho que a gente precisa pensar de forma interseccional sobre todas as dinâmicas sociais que afetam os indivíduos: classe, raça, gênero, idade, geografia... O cerne do movimento feminista é político, é igualdade", continua a cearense. Lara, que defende um design crítico e multidisciplinar, acredita nas artes visuais também como uma ferramenta de transformação sociocultural.
Para a designer, a criação e manutenção desse espaço é urgente: "Os museus, historicamente, são instituições brancas, classistas e sexistas. Todo museu é praticamente do pênis, né? São instituições que têm uma herança colonial muito forte, com diversos objetos que foram roubados. Ao mesmo tempo, museus são lugares formativos do cânone cultural e estabelecem o que que vale ser preservado, homenageado. Fazer uma instituição como o Museu da Vagina é dizer que isso é importante — os direitos reprodutivos das mulheres; o corpo feminino; a quebra de tabus; a inclusão de pessoas não-binárias, intersexuais, trans. A própria existência desse espaço físico já é uma uma luta, já é um argumento", pontua. Dentre as missões do Museu da Vagina, destacam-se o desafio ao comportamento cis-heteronormativo e também a atuação do espaço como fórum para pensar feminismo e direitos da comunidade LGBTQIA .
Fruto de uma trajetória de ensino público e gratuito, Lara trabalha pela democratização aos múltiplos acessos — ao corpo, aos direitos, ao ensino, à arte. "Eu comecei numa trajetória de inspirações feministas muito externas, vindas da música e da literatura, e hoje acho que busco inspirações mais no meu dia a dia e também mais diversas de mim. Estou tentando deslocar o meu feminismo para um lugar menos liberal, para feminismo mais inclusivo", conclui.
Sexualidade e quarentena
Celebrado em 31 de julho, o Dia Mundial do Orgasmo suscita um importante debate: afinal, como a quarentena afetou a sexualidade dos brasileiros? Realizado entre março e maio de 2020, um levantamento do portal MercadoErotico.Org demonstrou o aumento de 50% nas vendas de vibradores no período de isolamento social — e os dois produtos mais procurados pelo público foram o bullet e o lubrificante íntimo. Mais de 1 milhão de itens eróticos foram comercializados durante a pandemia no País.
De acordo com Paula Aguiar, ex-presidente da Associação Brasileira de Empresas do Mercado Erótico e autora da pesquisa inédita, a quebra de tabus sexuais é uma conquista feminina. "Nós sempre enfrentamos uma sociedade machista, mas as mulheres estão conhecendo mais o próprio corpo. Vivemos uma década em que as mulheres buscaram mais informações, conteúdo e acessórios pra melhorar a sua sexualidade. É importante lembrar que a mulher tem o direito ao prazer, à plenitude do orgasmo".