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Análise: Um pensador que extrapolou seu tempo
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Análise: Um pensador que extrapolou seu tempo

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Por que controlar as mudanças é tão importante para o poder das classes dominantes? Como pode uma sociedade se organizar contra a democracia? Essas perguntas nortearam o trabalho de Florestan Fernandes, sobretudo após o golpe civil-militar de 1964 quando, crente do processo de consolidação da democracia, a intelectualidade foi pega de surpresa.

De algum modo, a crise do nosso tempo nos leva a perguntas semelhantes. As "repostas" de Florestan, em forma de reflexão sociológica, formaram uma sofisticada interpretação da realidade brasileira e podem nos lançar pistas para pensarmos os descaminhos da nossa democracia.

Para Fernandes, a contribuição prática da sociologia está justamente em nos ensinar a não guardarmos ilusões. É preciso ver o Brasil como ele é, não como gostaríamos que fosse. É nesse contexto que ele tenta entender a revolução burguesa brasileira e constata: o capitalismo brasileiro, tardio e formado sob a égide da dependência externa, imprimiu um caráter particular à nossa modernização. Conservadora, esta ocorreu por vias autocráticas, excludentes. Não esteve no horizonte de nossas elites econômicas construir uma economia nacional e consolidar a democracia-liberal, incluindo as massas na vida econômica e política do País.

Foi ao retornar à condição do negro brasileiro e ao sistema colonial-escravista que Florestan encontrou peças fundamentais para compreender a dominação burguesa autocrática no Brasil. Não apenas os negros estavam excluídos da ordem social competitiva, como também o mundo escravista forjou uma mentalidade social que é incapaz de permitir o enraizamento de valores democráticos em suas relações sociais mais básicas. Perpetuou-se nos círculos dominantes o mandonismo, o exclusivismo e o particularismo. Uma consciência conservadora que mais lembrava a relação entre "colonizador" e "colonizado" que a de "empresário capitalista" e "trabalhador assalariado". Formou-se uma classe dominante incapaz de converter o que interessa ao "topo" em algo relevante para toda a nação e à imensa maioria "silenciosa e esquecida".

Como sociólogo, Florestan estava convencido de que as elites não estavam interessadas em um projeto de inclusão social e de democratização do poder. Como cidadão, ele depositava sua esperança na insistente organização dos subalternos para contestar as desigualdades. Florestan Fernandes foi um pensador que extrapolou seu tempo, pois seguem vivos os problemas sobre os quais ele se debruçou. Que siga viva, também, a sua esperança.

Matheus Alexandre 
Cientista social e integrante do Laboratório de Estudos em Política, Educação e Cidade (Lepec) da UFC.

 

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