O relinchar de um cavalo, ao longe, já anuncia a destruição que se aproxima. O cavaleiro sem cabeça, personagem estabelecido por Washington Irving em 1820, é um dos mais célebres representantes da fascinação pelo medo na literatura. O conto, que completa 200 anos em 2020, vai ganhar uma edição luxuosa, especial e traduzida para o português pela Editora Wish. A história é uma das mais antigas da ficção norte-americana. A partir da lenda de um homem decapitado montado em seu cavalo, tradicional referência no antigo folclore europeu, Irving estruturou a obra "A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça".
O conto mostra o professor Ichabod Crane em sua jornada até um lugar conhecido como Sleepy Hollow. Lá, além de tentar exercer o ofício, ele entra em uma competição pouco frutífera e pouco amistosa com o valentão Brom Bones. Tudo em função da mão e da fortuna de Katrina Van Tassel, filha do fazendeiro Baltus Van Tassel. "Crane é um sujeito ingênuo e empolgado, muitas vezes tão aterrorizado com as histórias de fantasmas contadas pelos habitantes que se apressava pela floresta a caminho de casa. Até que certa vez, tarde da noite, ele é perseguido pelo Cavaleiro Sem Cabeça e descobre que talvez estas não sejam apenas velhas lendas", diz o material de divulgação da Editora Wish.
"A história é um belo conto de fadas de terror e apela para sentimentos primordiais do ser humano. O medo é atrativo, é por isso que sempre voltamos a Poe, Lovecraft, Stephen King e outros. Temos um fascínio pelo proibido, por aquilo que os românticos chamavam de sublime - o que causa medo e admiração, como o topo de uma montanha. Somos atraídos e fascinados pelo medo", aponta o escritor e roteirista de cinema Jim Anotsu.
O encanto pela narrativa de Washington Irving não é algo novo. Há dezenas de peças teatrais e de produções cinematográficas inspiradas no conto. As mais famosas são o filme dirigido pelo sombrio Tim Burton e a animação suave produzida pela Disney.
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"Acho que alguns fatores explicam esse interesse por parte do cinema e de outras linguagens audiovisuais. O principal é que alguns contos de Irving foram totalmente incorporados ao imaginário dos EUA. Arrisco dizer que 'A lenda do Cavaleiro Sem Cabeça' e 'Rip Van Winkle' são histórias que a maioria dos norte-americanos conhece sem mesmo tê-las lido, e só isso já constitui um apelo irresistível para a adaptação. E como são histórias com fortes traços de fantasia e fantástico, há também o apelo desses aspectos, que não dão sinais de perder força nos tempos atuais", diz o pesquisador e escritor Oscar Nestarez.
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Washington Irving é um autor com uma profunda capacidade imaginativa e passeia por uma literatura sátira, gótica e fantástica em diversas camadas. E, mesmo passados 200 anos da publicação original do conto, o interesse do público continua crescente. Isso explica a publicação do livro no Brasil pela Editora Wish em uma campanha de financiamento coletivo que arrecadou a incrível cifra de R$ 134.690 - 417% da meta inicial. "Todo livro que sobrevive ao tempo permanece atual. No caso específico do 'Cavaleiro', isso tem a ver com a forma como ele se infiltrou na cultura pop. Sendo refeito e recriado com o passar dos anos, sempre voltando em um novo formato que chama o público. Os clássicos têm esse poder e essa energia", explica Jim Anotsu.
Oscar Nestarez, que também é tradutor e colunista da Revista Galileu, reforça a crença de que há traços da literatura de Washington Irving presentes nas produções da atualidade. "A meu ver, a capacidade imaginativa é um traço que dificilmente se extinguirá da literatura, seja de hoje ou do futuro - próximo, ao menos. Irving era um imaginador, e como tal escreveu profusamente textos que se enquadram em diferentes categorias literárias: fantasia, sátira, gótico, etc. Além disso, alguns textos do autor oferecem uma conjunção de aspectos ficcionais e contextuais, o que, creio eu, atrai o interesse do público atual", elucida.
Isabel Costa é jornalista e mediadora de leitura
Bate Pronto
O POVO - Como está sendo o processo de tradução da obra? Quais aspectos estão chamando mais a sua atenção?
Camila Fernandes - Ao começar a tradução, as qualidades que mais saltaram aos meus olhos foram o texto refinado e o senso de humor. Irving escolhia cada palavra com capricho; transpor sua obra para outra língua pede um cuidado especial. Como o original foi publicado em 1820, dei preferência a palavras que já estivessem dicionarizadas em português nessa década ou, pelo menos, nesse século, a fim de reproduzir a atmosfera do passado. O autor gostava de descrições elaboradas, que usava para levar ao leitor as sensações dos personagens. Às vezes, também descrevia uma pessoa ou situação só para fazer graça. Irving fez questão de descrever as visões de Ichabod Crane, o protagonista de Sleepy Hollow, ao dar livre curso ao seu maior sonho, que é viver na mordomia com a fortuna da moça com quem ele espera se casar. Ele sonha principalmente com comida a perder de vista! Os personagens desses contos são pessoas de quem o autor tirava sarro, ou por serem preguiçosas, como Rip Van Winkle no conto homônimo, ou por terem ambição ilimitada, como o protagonista de "The Devil and Tom Walker", conto que contém crítica social. Não são heróis, e isso é ótimo! A leitura fica mais divertida
Camila Fernandes é a tradutora da obra para a Editora Wish
A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça
Edição comemorativa de 200 anos
De Washington Irving
Tradução: Camila Fernandes
Editora Wish
Pré-venda: www.editorawish.com.br
Preço: R$ 45