Foram apenas dois episódios exibidos até aqui, mas a série de terror "Lovecraft Country", da HBO, já se impôs como uma das grandes estreias de 2020. Criada por Misha Green, J.J. Abrams e Jordan Peele, a obra é baseada no romance "Território Lovecraft" (2016), escrito por Matt Ruff.
A trama se passa nos Estados Unidos dos anos 1950 e segue a busca do jovem Atticus Freeman (Jonathan Majors, de filmes como "Destacamento Blood" e o ainda inédito no Brasil "The Last Black Man in San Francisco") pelo pai desaparecido (Michael Kenneth Williams). A utilização do gênero de terror em "Lovecraft Country" é costurada com comentários sobre o racismo que marcou aquela década nos EUA, criando ligações também com o atual cenário racial do país.
Esse diálogo vem, de partida, pela figura do autor H.P. Lovecraft (1890-1937), conhecido como "pai" do terror fantástico e, também, pelos discursos racistas e classistas. Em "Lovecraft Country", o protagonista Atticus Freeman é fã de obras de terror e ficção científica e, no percurso da procura pelo pai, precisa atravessar mundos distintos - como as Américas branca e negra e os planos real e sobrenatural.
O terceiro episódio da série será exibido amanhã, às 22 horas, na HBO e HBO GO. Confira a entrevista inédita com Courtney B. Vance e Aunjanue Ellis, que interpretam respectivamente George Freeman e Hippolyta Freeman.
O que os atraiu neste projeto? E o que vocês sentiram ao ler o roteiro pela primeira vez?
Courtney B. Vance - Para mim, foi a Misha, a Misha Green. Depois de "Underground", eu queria trabalhar com ela. Ela é uma mulher negra e eu queria participar de seu projeto.
Aunjanue Ellis - Eu achei que era estranho, esquisito. E eu adoro esse tipo de coisa. Eu adoro ir trabalhar todos os dias e fazer algo inesperado. E em resumo "Lovecraft Country" é isso: inesperada.
A série se passa na década de 1950 nos Estados Unidos, com a legislação segregacionista, mas às vezes parece muito atual. Por exemplo, quando o tio George levanta as mãos imediatamente ao ver a polícia. Vocês também sentem isso?
Courtney - Sim. Infelizmente a maioria dos negros, pelo menos nos Estados Unidos, aprende a agir assim, a se antecipar a esse momento (de interação com a polícia). Os pais negros precisam encontrar uma maneira de ensinar e preparar seus filhos para que eles não repitam a situação do Emmett Till (garoto negro de 14 anos assassinado em 1955 em uma situação de racismo). Nós não queremos que isso aconteça com os nossos filhos ou filhas. George Floyd — aconteceu agora. Você se pergunta: como isso vai acabar? Se eu for o mais legal e respeitoso possível, isso vai contrariá-los? Assim poderei voltar para casa à noite? As pessoas brancas nunca enfrentam essas questões de vida ou morte, não têm nem que pensar em ensinar isso aos filhos, não precisam prepará-los para o momento de levantar as mãos. É por isso que "Black Lives Matter" me diz respeito.
As criaturas da série são assustadoras, mas podemos dizer que o racismo e a polícia representam monstros na série também. O que os monstros simbolizam para vocês?
Courtney - É tudo isso. Os monstros na série são basicamente monstros, e o mundo era um lugar diferente quando nós filmamos. Com o assassinato de George Flloyd, o mundo mudou e é com isso que lidamos agora. Conforme lidamos com nossos monstros na produção, as pessoas podem lidar com os seus monstros pessoais por meio da série.
Os personagens de vocês são muito íntegros e têm muito espírito de família. O que a sua personagem representa para você, Aunjanue?
Aunjanue - Bem, houve uma boa reação. Eu acho que, de modo geral, as pessoas gostaram de ver o amor entre pessoas negras como parte tão central na história. E o amor para nós é crucial nesta viagem, que pode ser muito traumática, horrorosa e assustadora. Você valoriza o amor quando perde, e é isso que a Hippolyta e o George mostram.
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É incrível ver o amor de pessoas negras retratado na TV. Por que isso é importante?
Courtney - O amor dos negros não costuma ser mostrado. Nenhum de nós cresceu se vendo representado de um modo muito real, então tivemos que nos ver por meio dos brancos. Eu adoro ver o amor entre negros na série, e que não seja um amor perfeito.
O que vocês esperam que Lovecraft Country deixe para o público?
Aunjanue - Espero que gere diálogo. Espero que as pessoas conversem sobre isso, que fiquem ansiosas para, no fim de cada episódio, mandar uma mensagem ou ligar para alguém para comentar. Eu espero que as pessoas fiquem tão ligadas na série que digam: "Não posso falar com você agora porque estou vendo Lovecraft". Espero que as pessoas tenham reações viscerais porque a série foi feita com essa intenção. Seria fantástico se isso acontecesse. Espero que as pessoas sintam e vejam refletidas suas questões psíquicas, porque está acontecendo isso com todos nós. Esta série está refletindo o trauma que vivemos no mundo atualmente.
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Como foi trabalhar com um elenco tão talentoso? Todos vocês foram longe emocionalmente com as suas interpretações.
Courtney - Tudo depende muito de ter as pessoas certas reunidas. Depois que tudo foi dito e feito, é bom contar com as pessoas certas. Quem está nesse mercado há algum tempo sabe que todo mundo quer estar diante das câmeras. Mas, quando isso acontece, é preciso ser ator! É preciso gente capaz de te acompanhar, te transportar, te levar para um lugar. E foi assim com o Jonathan, com a Jurnee, com a Aunjanue, com o elenco todo.
Como foi trabalhar juntos?
Aunjanue - Ele é bom, dá para o gasto (risos).
Courtney - Ela é ótima. Eu vou para qualquer lugar com ela. Eu a vi em "As Rainhas do Gospel", do Lifetime, e ela mudou a minha vida. Aí eu liguei para ela à meia-noite para dizer como ela é incrível - eu a acordei. A Misha e a equipe da HBO reuniram as pessoas certas para que a magia acontecesse.
Aunjanue - Eu sei que o Courtney já está cansado de me ouvir dizer o quão maravilhoso ele é, e que quando ele entra em um ambiente a atmosfera muda, mas é isso mesmo - ele é assim. E não sou só eu que sinto isso. Todo mundo com quem você falar nessa série vai dizer a mesma coisa. Ele é assim.
Lovecraft Country
Quando: exibida aos domingos, às 22 horas
Onde: HBO e HBO Go