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"Escrevo para não sucumbir à loucura desse tempo tão raivoso", avisa o escritor Dércio Braúna
Vida & Arte

"Escrevo para não sucumbir à loucura desse tempo tão raivoso", avisa o escritor Dércio Braúna

O cearense Dércio Braúna, natural de Limoeiro do Norte, é um dos finalistas do Prêmio Oceanos de Literatura, com o livro "Esta solidão aberta que trago no punho"
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Dércio Braúna tem 16 livros publicados (Foto: WG Fotografias)
Foto: WG Fotografias Dércio Braúna tem 16 livros publicados

A trajetória de Dércio Braúna contesta o pensamento tão recorrente de que, para ser um escritor, é necessário ler desde cedo. Filho de agricultores de Limoeiro do Norte, no interior do Ceará, os livros não faziam parte do cotidiano. Foi apenas aos 18 anos que adquiriu sua primeira obra. A inserção na literatura quando já era adulto não o deteve de, duas décadas depois, tornar-se um dos 54 semifinalistas do “Oceanos - Prêmio de Literatura em Língua Portuguesa” de 2020. A honraria é uma das mais importantes do segmento no País.

Sua produção “Esta solidão aberta que trago no punho”, lançada na XIII - Bienal Internacional do Livro Do Ceará em 2019, concorre ao lado de grandes nomes. Chico Buarque ("Essa gente"), Mia Couto ("O universo num grão de areia"), Maria Teresa Horta (“Quotidiano instável”) e Nélida Piñon (“Uma furtiva lágrima) também estão na competição. 

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Para Dércio Braúna, o anúncio foi uma surpresa. Com a experiência de 16 livros publicados, a obra havia sido mais uma que havia mandado sem grandes expectativas. Mas ser um autor independente revela um fato que, para muitos, pode parecer esquecido: a qualidade literária dos textos. “Essa situação ajuda, primordialmente, a mostrar que a literatura independente é uma literatura de qualidade. Não é porque não é de grandes editoras que não tem mérito. Ajuda também a repensar a forma de produção das pessoas envolvidas no meio”, comenta o escritor.

Ele classifica o material selecionado como poético, mas não utiliza a poesia no sentido mais formal. “Tem um fio narrativo existencial. Nele, dois poetas - inspirados em Maria Gabriela Llansol e António Lobo Antunes - conversam por meio de cartas”, explica. Mas há, ainda, uma grande diferença deste título para outros que já escreveu. “Esse livro é praticamente todo escrito no feminino, no quesito sentimental. Não é exatamente o tipo de escrita que eu vinha fazendo”, afirma.

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Com 12 livros individuais e quatro coletivos na carreira, o também mestre em História Social pela Universidade Federal do Ceará (UFC) mantém um estilo principalmente metafórico e subjetivo. Sempre entre a pesquisa acadêmica e a literatura, há quase uma década escreveu sua dissertação de Mestrado sobre Mia Couto, intitulada “Nyumba-Kaya: Mia Couto e a Delicada Escrevência da Nação Moçambicana”. Talvez por ordem do destino, encontra-se novamente com o autor que foi o norte de seus estudos. Agora, porém, os dois competem na mesma premiação.

Ainda adolescente, a vontade de escrever surgiu da necessidade de compartilhar a própria solidão. Mas, no começo, suas principais referências não eram autores renomados. Eram, na verdade, músicos, como Raul Seixas e Renato Russo. “Eu não tinha acesso a tantos livros. No começo, escrevia desabafos de um adolescente que não tinha com quem conversar. Essa minha relação com a literatura é muito solitária, porque são coisas que quero dizer, mas que, às vezes, não encontro um ouvido disposto a escutar”, expressa.

Durante vários anos, Dércio realiza um trabalho quase incessante. Neste momento, também está arriscando em outros caminhos de narrativa. O próximo livro “Auto da Incineração”, que ainda não tem data de lançamento, traz fotografias e documentação histórica para além do texto. “As imagens são parte do próprio livro, são parte absolutamente constituinte daquilo que eu gostaria que os leitores refletissem”, diz.

Mas a persistência de continuar produzindo, em um cenário instável para escritores independentes, surge de uma inerente teimosia. “Escrevo porque preciso, para não enlouquecer, para não sucumbir à loucura desse tempo tão raivoso. É por isso que sigo teimando”, comenta. Além disso, as obras permitem uma possibilidade incontestável: chegar ao outro. “O livro dá essa esperança de, quem sabe, em algum período, alguém possa vir a ler. Eu não desisto por causa da urgência de falar, de não me calar”, finaliza.

Prêmio Oceanos de Literatura

Considerado um dos mais importantes eventos de literatura do País, o "Oceanos - Prêmio de Literatura em Língua Portuguesa" selecionou 54 obras de três continentes para a edição de 2020. Entre romances, contos, poesia e crônicas, a iniciativa contou com um total 1.872 concorrentes, que produziram seus textos durante o ano passado.

Após esta etapa, que até o fim de outubro vai analisar as obras dos 54 semifinalistas, o júri escolherá dez finalistas, dos quais sairão três vencedores. Os ganhadores receberão prêmios em dinheiro no valor de R$ 120 mil para o primeiro lugar, R$ 80 mil para o segundo e R$ 50 mil para o terceiro.

No ano passado, três romances conquistaram o prêmio: "Luanda, Lisboa, Paraíso", de Djaimilia Pereira de Almeida, "Eliete - A vida normal", de Dulce Maria Cardoso, e "Sorte", de Nara Vidal.

Em 2020, diversos nomes famosos participam ao lado do cearense Dércio Braúna. Entre eles, estão "Essa gente", de Chico Buarque, "O universo num grão de areia", de Mia Couto, e "Carta à rainha louca", de Maria Valéria Rezende.

Para conhecer o autor

Metal Sem Humus
95 páginas
Editora 7 Letras
Preço médio: R$ 24,90

Como Um Cão que Sonha a Noite Só
182 páginas
Editora 7 Letras
Preço médio: R$ 28

Nyumba-Kaya: Mia Couto e a Delicada Escrevência da Nação Moçambicana
344 páginas
Alameda Editorial
Preço médio: R$ 59,90

Aridez Lavrada pela Carne Disto
112 páginas
Confraria do Vento
Preço médio: R$ 37

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