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Feira de Cascavel reabre e vira uma festa a céu aberto
Vida & Arte

Feira de Cascavel reabre e vira uma festa a céu aberto

Moradora de Cascavel, na Região Metropolitana de Fortaleza, a jornalista Isabel Costa narra a experiência e as emoções de voltar a circular pela famosa feira de São Bento
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As várias nuances da Feira de São Bento, em Cascavel. A feira é uma das maiores do País e reúne visitantes e comerciantes de todo o Estado. (Foto: fotos Isabel Costa)
Foto: fotos Isabel Costa As várias nuances da Feira de São Bento, em Cascavel. A feira é uma das maiores do País e reúne visitantes e comerciantes de todo o Estado.

Quando o tenor italiano Andrea Bocelli cantou "Amazing Grace", em live no dia 12 de abril, imagens das metrópoles mais icônicas do mundo desfilaram na tela. Paris, Londres e Nova York foram transformadas em cidades-fantasma em decorrência do coronavírus. Imediatamente, eu pensei que a imagem de Cascavel vazia deveria ser captada em um sábado pela manhã.

Desde criança, acordo sempre com a movimentação dos carros e das gentes. Sábado é dia de agitação. Nunca imaginei uma época em Cascavel sem a existência da Feira de São Bento. Lá, a população do centro e dos distritos consegue encontrar toda sorte de provimentos. Móveis, roupas, calçados, alimentos, cosméticos, brinquedos, eletrônicos… Tudo pode ser achado e resolvido na feira do Cascavel. E isso, aliás, vale não apenas para os moradores da cidade, mas, também, para os habitantes dos municípios vizinhos. A feira é a nossa identidade enquanto povo.

Mas veio o isolamento social e, desde março, não havia a feira em seu modelo usual. Foram 26 sábados sem o barulho dos taxistas convocando passageiros nas proximidades da minha janela, sem ver meu pai saindo para comprar as frutas da semana, sem a possibilidade de comprar uma "blusinha ali rapidinho", sem ver a montagem e a desmontagem das centenas de barracas.

No último sábado, 19, peguei meu celular cansado e fui participar dessa festa a céu aberto, ao meu modo. A feira do Cascavel é a poesia visual dos meus dias, da minha meninice. Na verdade, a história toda de fotografar tem início na sexta-feira, no fim da tarde, quando a estrutura começa a ser montada. Dessa vez, para garantir maior distanciamento entre vendedores e compradores - pois o coronavírus ainda está, sim, circulando, senhoras e senhores! - foram ocupadas duas vias ao invés de apenas uma. Com mais espaço entre as bancas, a Feira de São Bento parecia outra. Circular com liberdade nunca fez parte da minha vivência naquele eterno mar de pessoas. A aglomeração e o empurra-empurra são mais característicos.

O nosso rebento sempre é mais bonito e mais sabido que o filho do vizinho. Enquanto repórter, eu costumava visitar feiras da Capital para fazer matérias. Olhava com olhos tortos, ar de deboche. "Essas bancas juntas e chamam de feira?", indagava em pensamentos. Peço desculpas às ótimas feiras da Praia do Futuro e do Montese, mas a minha feira é gigante, é sublime.

Cheia de receios e duvidando dos (possíveis) anticorpos, fiz imagens tentando registrar detalhes desse dia tão memorável. Eu esperava encontrar pessoas temerosas pela situação - ainda grave e preocupante, aos meus olhos - mas, a realidade, é que os vendedores pareciam nunca ter deixado de participar da feira. Como se o coronavírus fosse um surto coletivo e eu não tivesse permanecido trancafiada em casa por meses a fio.

A mobilização foi intensa já na noite de sexta-feira. O reordenamento geográfico deixou muitos feirantes irritados. Era um tal de fico aqui, fica ali, vou ligar pra fulano, aqui não tem visibilidade e outros argumentos. Fui para casa dormir umas horas. De volta, na manhã de sábado, às 5 horas, já encontrei mercado aberto e dezenas de barracas ocupadas. Todo mundo ali acredita que Deus, realmente, só ajuda quem cedo madruga.

Mas foi colocar o pé na avenida Prefeito Vitoriano Antunes e começou uma chuva densa. O tempo cinza e o vento batendo em pleno setembro… Parecia até que os céus queriam lavar todos os vestígios do vírus. Saltei de banca em banca para fotografar as desimportâncias do caminho. Fragmentos de um dia tão aguardado. Mas eu já sabia que o sol iria abrir. E veio uma quentura de rachar o juízo. As cabines de desinfecção instaladas pelo poder público em pontos estratégicos viraram um refresco para o calor. Aquelas gotículas de água e outros elementos, feitas para matar os vírus, servindo para amenizar as temperaturas. Faça chuva ou faça sol, na saúde e na doença, os feirantes continuam em seus postos com as mercadorias.

Dizem que a Feira de São Bento é a segunda maior concentração de pessoas em comércio ao ar livre do Brasil - sendo superada apenas pela feira de Caruaru, em Pernambuco. Eu não sei usar uma régua para medir o meu afeto. Foi na feira que comprei o corte de fazenda e a vela para a primeira comunhão. Foi lá que gastei o primeiro salário de estagiária do jornal - os R$ 450 mais felizes da minha vida. A retomada da feira - mais do que uma fase em um decreto qualquer - é uma lufada de ar no meu coração.

*Inquieta, porém calma, Isabel Costa é jornalista, mediadora de leituras e menina criada nas praias do Cascavel

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