Definindo-se como "contador de histórias", o escritor carioca Raphael Montes tem produção robusta em menos de uma década de carreira. Aos 30 anos, o artista tem seis romances de suspense publicados, participação em cinco obras de contos, colaboração em uma novela, trabalho em duas séries como roteirista, em três roteiros de longas e, mais recentemente, acumulou os créditos de criador, roteirista-chefe e produtor executivo da série original Netflix "Bom dia, Verônica", adaptada do livro homônimo escrito por ele e a criminologista Ilana Casoy. A produção policial, com Tainá Muller, Camila Morgado e Du Moscovis no elenco, já está disponível na plataforma. Em entrevista por telefone ao Vida&Arte, Raphael revê a trajetória, divide processos, aborda aspectos da mais recente produção e adianta projetos futuros, avisando: "Continuo firme no desejo de ver minhas histórias chegando e impactando cada vez mais pessoas".
O POVO - Você costuma falar que as faces "escritor" e "roteirista" são bem diferentes e precisam estar separadas para cada trabalho, mas como a primeira resultou na segunda?
Raphael - Sempre fui apaixonado por contar histórias. Com a publicação dos meus primeiros romances - o "Suicidas", em 2012, e o "Dias Perfeitos", em 2014 - cheguei a um público leitor, tive sucesso e as pessoas começaram a dizer que eles eram muito visuais. Passei a ser convidado para escrever roteiros, sendo que nunca havia escrito um. O primeiro trabalho que fiz como roteirista foi um filme chamado "Praça Paris" (lançado em 2017), com a Lúcia Murat, que é a diretora. Naquele momento, não tinha menor noção de como fazia roteiro e fui estudar, ler sobre o assunto, entender o quê do meu processo criativo da literatura podia levar para o roteiro e o quê eu deveria conseguir de ferramentas novas. Daí, fui fazer uma adaptação de um livro chamado "Uma Janela em Copacabana", do Luiz Alfredo Garcia Roza, que virou uma série no GNT chamada "Espinosa". Foi muito interessante estar como um dos roteiristas porque entendi as necessidades que o audiovisual tem e que são diferentes da literatura, que para manter a essência do livro era preciso mudar alguns eventos, personagens, linhas dramáticas. Depois disso, já tendo trabalhado em um filme e uma série, passei a trabalhar como roteirista do mercado. Na Globo, era da equipe de "Supermax" (série de 2016), trabalhei com o João Emanuel Carneiro (como colaborador na novela "A Regra do Jogo", de 2015). Depois, a Netflix me convidou para fazer uma série de suspense para eles e propus "Bom dia, Verônica".
OP - Tendo experiência na literatura e em longas, novelas e séries, de que forma você percebe que seu suspense se adapta a cada formato?
Raphael - Tenho uma espécie de tempo narrativo, ritmo da história. O ritmo de um livro é feito pelos parágrafos, capítulos, pela maneira que você conta aquela história. O audiovisual comunica de maneira muito mais rápida. Uma coisa que descrevo em três páginas de um livro é uma imagem no audiovisual. Os tempos são diferentes. A série "Bom dia, Verônica", por exemplo, tem vários acontecimentos que não existem no livro. Muitas coisas são novas porque o audiovisual requer, ou pelo menos o tipo de história que eu gosto, te manter ali preso, interessado pelo que vai acontecer. A cada dez minutos na série acontece uma virada. Era quase uma exigência nossa na sala de roteiro. Nós vamos pegar o espectador pela mão e falar: "vem comigo nessa montanha-russa", e em nenhum momento se pode bocejar na montanha-russa! Ele tem que estar ali firme e forte no "e agora?". É um trabalho de união de muita técnica com a emoção.
OP - Você - que assina como criador, roteirista-chefe e produtor executivo de "Bom dia, Verônica" - e a Ilana acompanharam os processos da adaptação. Em quê acompanhar com tamanha proximidade e gerência somou profissionalmente?
Raphael - Sem dúvida foi tudo muito novo e muito importante. Não diria que a gente tinha "gerência", mas tinha voz. Ou seja, em nenhum momento a decisão final era minha ou da Ilana ou mesmo do diretor (José Henrique Fonseca, que assina a direção geral da produção). Tudo foi muito dialogado e isso foi muito interessante do processo. Todo mundo tinha voz - e ter voz é, claro, saber a hora de dizer, mas também a hora de escutar. Em diversos momentos, eu tinha uma determinada opinião, mas algum profissional de outra área falava "pode acreditar que é assim que faz" e pois bem, a pessoa já trabalha há anos nesse sentido. Então é essa troca que é interessante e vantajosa para todo mundo. Todas as áreas reunidas no mesmo objetivo dá o resultado. Com os atores, a gente teve altas conversas de como eram os personagens - não conversas de direção, porque essas são do diretor com eles - e eles traziam suas referências. A Tainá trouxe uma Verônica dela, a Camila idem, o Du é impressionante. Isso é muito potente.
OP - Você e a Ilana produziram o livro "Bom Dia, Verônica" e, de lá para cá, trabalharam na adaptação da série e nos roteiros dos longas sobre o caso Suzane Von Richtofen (filmes "A Menina que Matou os Pais" e "O Menino que Matou Meus Pais"). De que forma a parceria foi se dando?
Raphael - A Ilana é uma mulher fascinante, se reinventa. Sinto que evoluo por trabalhar e conviver com ela não só como artista, mas como pessoa. Quando a conheci, ela era uma mulher de 50 e poucos anos com uma carreira sólida de obras de não-ficção. Propus fazer um livro de ficção e ela, que nunca tinha feito um até então, falou "tá bom, vamos juntos e vamos fazer". Depois, quando fui convidado para fazer a série, ela poderia simplesmente vender os direitos do livro, mas falei que era importante ela ser roteirista. Aos 60 anos, nunca tendo feito um roteiro de ficção, ela aceitou o desafio. A gente começou a fazer a série, a Ilana foi estudar roteiro e ganhou corpo para ser roteirista de mercado. Aí, o processo se inverteu. Enquanto trabalhava na equipe da série, ela foi convidada para fazer um filme sobre a Suzane Von Richtofen e me chamou para fazer junto.
OP - De que forma você, enquanto autor de ficção, estabeleceu seu processo criativo para dar conta de construir junto da Ilana, com trajetória na não-ficção, uma obra que tem base em um caso real bastante conhecido no País?
Raphael - Costumo dizer que no meu trabalho com a Ilana no "Bom Dia, Verônica", por exemplo, a realidade embasa a ficção, mas é ficção o que a gente está fazendo. Você tem certa maleabilidade narrativa por ser ficcional, ainda que embasada na realidade. Quando você parte de uma história que é real, a ficção serve para criar, vamos dizer, uma estrutura para a realidade, mas não posso mudá-la. A proposta do produtor e do diretor (dos filmes) era totalmente diferente do que é o resultado final. A gente conversou muito sobre como contar essa história já tão conhecida e, então, tivemos a ideia de mostrar ao público as duas versões dos dois criminosos principais, que são a Suzane e o Daniel Cravinhos. Ao explorar essas duas visões - que são tão opostas e que estão registradas nos autos do processo - a gente entendeu que era uma abordagem nova e diferente. Aí entra o trabalho do narrador ou do ficcionista, o "como" contar. O "o quê" é uma história muito conhecida, mas o "como" é o diferencial.
OP - Que futuros projetos têm previsão de estreia e produção?
Raphael - Estou dedicado a escrever meu próximo romance solo, que se chama "Os Vizinhos", uma história de suspense sobre um casal gay jovem que se muda para um prédio em Copacabana onde os vizinhos são todos velhinhos e coisas estranhas começam a acontecer. É um thriller psicológico. Além dele, estou escrevendo o livro "Boa Tarde, Verônica", continuação do "Bom Dia, Verônica", em parceria com a Ilana Casoy. Estou na torcida para que o público abrace a história na Netflix, porque a Verônica tem ainda muitas histórias para contar e muitas aventuras e casos para enfrentar. Além disso, tenho muitas ideias de filme, de série, então tenho aproveitado para organizar todas elas. Umas estão em negociação, mas ainda nada fechado. Continuo firme no desejo de ver minhas histórias chegando e impactando cada vez mais pessoas. Uma das propostas de série é fazer uma espécie de "quem matou?", Agatha Christie à brasileira, e tenho muita vontade de fazer também um thriller erótico, um subgênero que adoro. Ou seja, ideias estão por aí e espero que elas se realizem em breve.
Estante
Bom dia Verônica (livro)
Obra que deu origem à série da Netflix, foi lançada sob o pseudônimo Andrea Killmore. Após algum tempo, Raphel e a criminologista Ilana Casoy assumiram a autoria.
Onde encontrar: www.raphaelmontes.com.br/bom-dia-veronica
Bom dia, Verônica (série)
Lançada em 1º de outubro, a adaptação do livro conta com Tainá Müller, Camila Morgado e Du Moscovis no elenco. Raphael assina como criador, roteirista-chefe e produtor executivo
Onde encontrar: Netflix
Praça Paris
Filme dirigido por Lúcia Murat, foi a primeira experiência de Raphael na escrita de roteiro, co-escrito entre ele e a cineasta. Apresenta a relação entre uma terapeuta que trabalha na UERJ e a ascensorista da universidade.
Onde encontrar: Now, YouTube Filmes, Telecine Play, Google Play e iTunes
Uma mulher no escuro
Mais recente livro lançado por Raphael, o suspense apresenta a única sobrevivente de um crime cometido há décadas tendo que encarar não somente traumas, mas o retorno do passado.
Onde encontrar: www.raphaelmontes.com.br/uma-mulher-no-escuro
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