Canudos, felizmente, é assunto recorrente. A frase sem rococós é do pesquisador e autodidata José Augusto Moita, 61. Um investigador dos silêncios e das omissões da “biogeografia” de Antônio Vicente Mendes Maciel, o Antônio Conselheiro, e os episódios sobre o conflito armado no Semiárido brasileiro.
É do cearense Augusto Moita o livro mais recente e curioso sobre o massacre imposto pelo Exército Brasileiro a uma comunidade que se formava às margens do rio Vaza-Barris, na Bahia. Um agrupamento de sertanejos refugiados das secas e da exclusão política, econômica e social no Nordeste.
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“Canudos ou Belo Monte – um novo olhar” teria um lançamento formal, hoje. Porém, por causa de um novo aumento de casos da insistente pandemia da Covid-19 e outro decreto restritivo do governador do Ceará, Camilo Santana (PT), o dia de autógrafos foi adiado. O livro, no entanto, já está mundo e disponível aos leitores.
Depois de seis meses de uma pesquisa entre a Bahia e o Ceará e uma vida dedicada à leitura sobre o tema, a partir do primeiro mergulho em “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, Augusto Moita confronta todas as versões escritas sobre o conflito armado. Inclusive a grande reportagem ou épico literário eternizado por Euclides.
Em entrevista ao O POVO, Augusto Moita revela que revisita artigos e livros publicados de pelo menos 12 autores a quem chama de “construtores” do enredo mal contado – por viés ideológico ou por falta de informação – sobre o conselheiro, “seus conselheiristas”, o Exército e as batalhas ocorridas entre 7 de novembro de 1896 a 5 de outubro de 1897.
“Canudos não escapole do princípio básico de ter sido contada pelos vencedores. São militares, ex-militares, republicanos convictos, mentirosos adictos, raras exceções de lúcidos. São os autores primitivistas que escreveram sobre o conflito. Eu analisei a impressão de cada um deles sobre a ótica do cotidiano de quatro agentes da história ocorrida”, explica o pesquisador.
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O investigador cearense, mergulha nos escritos não ficcionais, por exemplo, de Nina Rodrigues. O médico legista, “psiquiatra, eugenista, racista, encarregado de descobrir a doença psiquiátrica do Conselheiro, através do estudo da cabeça decepada” do beato natural de Quixeramobim, no Ceará.
Augusto Moita faz perguntas e cruza dados sobre lacunas deixadas nos vãos intencionais da história oficial aos registros de Constantino Nery – major do Exército, político, que esteve em Canudos e cravou memórias em livro.
E também lança olhar sobre a obra de Afonso Arinos que usa o pseudônimo Olívio de Barros para escrever um romance insosso, de Dantas Barreto (tenente-coronel), Alvin Horcades (estudante de medicina), Manuel Benício (militar e jornalista), César Zama, médico e político, veterano da Guerra do Paraguai que relata o massacre mais não se afasta da versão imposta pela narrativa da República recém-nascida.
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No rol de narradores, ainda consta Francisco Mangabeira, acadêmico de medicina que esteve no mesmo grupo de voluntários de Alvin Horcades. Foram voluntários para cuidar dos soldados, Horcades “denunciou a degola sem colocar a culpa do Exército”. A lista de escritos esmiuçados inclui testemunhos que tiveram destaque na publicação de artigos ou livros no período que vai da “destruição total de Belo Monte e o dia 10 de dezembro de 1902, data provável do lançamento de Os Sertões”, diz Augusto Moita.
Uma leva que tem também: Aristides Milton (chefe de polícia em Sergipe), Lélis Piedade (jornalista), Henrique Duque Estrada (alferes da artilharia do Exército) e Favila Nunes, jornalista que “detestava tudo que pudesse lembrar o Conselheiro, não omitindo o nojo nas páginas”. A nova leitura sobre Canudos é uma análise crítica sobre três correntes diferente de escribas – entram até intelectuais marxistas como Rui Facó, Edmundo Munhoz e José Calazans.
O livro “Canudos ou Belo Monte – um novo olhar” dará conta ainda de uma inédita 5ª expedição militar enviada para o campo de batalha. E das relações urdidas entre os soldados do Exército e os conselheiristas, das mulheres que acompanhava o Exército. Dos horrores sofridos pelos vizinhos de Belo Monte que foram pegues, roubados, saqueados e muitos degolados porque foram acusados de ajudar os homens de Canudos. Além da conduta dos oficiais, “homens que estavam topo da cadeia alimentar” de um massacre que deixou pelo menos 25 mil mortos em 103 dias de fogo.
Canudos ou Belo Monte - Um novo Olhar
De José Augusto Moita
239 páginas
Expressão Gráfica Editora
Preço médio: R$ 20 (Júlio Maciel - 98635.8438 / Augusto Moita - 98732.1928)