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Livro aborda candidaturas fictícias de mulheres no CE para cumprimento da cota de gênero
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Livro aborda candidaturas fictícias de mulheres no CE para cumprimento da cota de gênero

Livro "Fictícias: candidaturas de mulheres e violência política de gênero", da pesquisadora cearense Roberta Laena, aborda candidatas fictícias registradas nas disputas eleitorais apenas para cumprimento da cota de gênero
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Foto: Rebeca Laena "Fictícias - candidaturas de mulheres e violência política de gênero", obra de Roberta Laena

O Brasil está entre os países com os piores indicadores da América Latina em relação aos direitos políticos femininos e à paridade entre homens e mulheres nos cargos públicos — de acordo com estudo do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento divulgado no último mês de setembro, o País ocupa o nono lugar das 11 nações analisadas. Desde 2009, a legislação nacional determina cota mínima de 30% das candidaturas destinadas para mulheres. Em 2016, no entanto, 14.417 mil candidatas tiveram votação zerada; já em 2018, 35% das candidaturas de mulheres à Câmara dos Deputados foram fictícias. A crescente fraude nas candidaturas femininas nas eleições no Brasil revela: agremiações e partidos continuam rechaçando as mulheres da vida política.

Intitulada "Fictícias: candidaturas de mulheres e violência política de gênero", a obra da pesquisadora Roberta Laena publicada pela Editora Radiadora aborda aspectos que envolvem as candidatas fictícias, registradas nas disputas eleitorais proporcionais apenas para cumprimento da cota de gênero. O livro — fruto da tese de Doutorado da autora defendida no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob orientação de Vanessa Berner — propõe uma reflexão sobre o não lugar das mulheres na política brasileira.

"As candidatas fictícias são um símbolo dessa nossa ausência na política", pontua Roberta. "O interesse pelo tema surgiu justamente no local de trabalho: sou analista judiciária do TRE-CE e há muitos anos, em uma eleição municipal, uma candidata fictícia me procurou com um pedaço de papel na mão para dizer que não queria ser 'isso que está no papel'; no papel, havia escrito a palavra 'candidata'. Ela tinha sido vítima do partido, que tinha registrado o nome dela como candidata e ela sequer tinha conhecimento. Desde então, passei a observar essa situação com um olhar mais atento e, no Doutorado, a partir das lentes teóricas dos feminismos e da descolonialidade", explica a pesquisadora.

Na pesquisa que originou o livro, Roberta entrevistou sete candidatas de diferentes municípios cearenses — uma candidata real e seis fictícias. "As falas revelaram a violência política e posso destacar as queixas mais recorrentes: o machismo no âmbito interno dos partidos e a falta de recursos nas campanhas femininas foram os pontos mais enfatizados por elas, para além da dificuldade de conciliar uma possível vida política com as demandas domésticas. As vozes das candidatas comprovaram a tese que defendo, que todos os tipos de candidatura fictícia são manifestações da violência política de gênero, porque há uma instrumentalização das mulheres para benefício dos partidos, tradicional e historicamente ocupados por homens. O problema é que a candidatura fictícia foi 'naturalizada' e as próprias candidatas não se dão conta da violência, como muitas mulheres ainda não se percebem em situação de misoginia, sexismo e machismo. Então, algumas entrevistadas disseram que aceitaram ser candidatas para ajudar um amigo ou vizinho, sem problematizar esse aceite. A instrumentalização é tão normalizada que sequer é questionada", pontua. "Esse tema ainda demanda muitas pesquisas e o livro também pretende jogar luz no assunto para estimular mais investigações. Também encontrei indícios de que o perfil das fictícias é, em maioria, de mulheres negras, donas de casa, jovens e de pouca escolaridade", complementa a autora.

O lançamento virtual da obra foi realizado na quinta-feira, 29, e contou também com as presenças de Vanessa Berner, Márcia Tiburi, Roberta Eugênio e Denise Andrade. Em sua fala, a filósofa Márcia Tiburi destacou que "há um movimento e uma conscientização acerca da necessidade de mulheres ocuparem esse espaço na política. Essa ideia da ocupação é o que vai mudar muita coisa no futuro — e eu até acredito que, em relação a isso, não tem volta; é definitivo que as mulheres vão lutar pelo poder. O que a gente tem hoje nessa ordem patriarcal é justamente um pavor desses homens de perderem espaços de poder que eles tratam como espaços de privilégio. As mulheres feministas que se candidatam não estão atrás de poder pelo poder, de poder no sentido da masculinidade: a política que a gente faz busca uma democracia radical".

Ainda há poucas mulheres ocupando cadeiras legislativas em todo o Brasil. A média é de apenas 14% nas casas legislativas — não alcançamos sequer os 30% esperados. "As cotas impulsionaram a participação política das mulheres de algum modo e, desde então, passamos a falar mais do tema e a cobrar mais espaço nos partidos, por exemplo. Foi uma vitória do movimento feminista, sem dúvida, e os índices de representação nos espaços legislativos cresceram se comparados ao período anterior. A questão é que essa política de cotas deixa muito a desejar, pois esse crescimento foi pequeno. Na minha visão, as cotas de candidatura não resolvem o problema: apenas uma mudança no sistema pode minimizar os efeitos perversos de anos e anos de desigualdade estrutural de gênero", aposta Roberta. "Enquanto a mudança estrutural não acontece, precisamos de uma política feminista e antirracista forte, para que haja uma efetiva participação política das mulheres nos partidos políticos, para que tenhamos poder de decisão, para que sejamos candidatas reais, com investimento e apoio efetivo. Para que mais mulheres ocupem um lugar real na política", finaliza a pesquisadora.

 

Fíctícias – candidaturas de mulheres e violência política de gênero, de Roberta Laena

Editora Radiadora

360 páginas

Quanto: R$ 70

@editora_radiadora

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