Ailton Krenak fala sobre as muitas formas de vida com carinho e respeito. O líder indígena, ambientalista e filósofo mineiro foi, recentemente, eleito intelectual do ano pelo Prêmio Juca Pato. O troféu chegou em meio à pandemia do novo coronavírus, quando Ailton, em uma forma de resistência, publicou dois livros, "O amanhã não está à venda" e "A vida não é útil", ambos frutos de reflexões provocadas pelo contexto de pandemia. Os livros de Krenak, inclusive, não são redigidos por ele. As obras partem de falas do filósofo, da oralidade, que são transcritas e publicadas. "E eu digo que, enquanto nós tivermos uma história boa para contar, a gente está adiando o fim deste mundo, deste mundo complicado, que muita gente gostaria que já tivesse, inclusive, acabado", comenta, em conversa em vídeo realizada entre uma live e outra.
Nesta quinta-feira, 26, Ailton Krenak se juntará ao biólogo e vereador recém-eleito Gabriel Aguiar e ao professor do Departamento de Geografia da UFC, Jeovah Meireles. A conversa será no webinário "Diálogos Ambientais - Os impactos das mudanças climáticas no Ceará". O evento digital será gratuito, transmitido via YouTube. Confira entrevista exclusiva realizada com o líder indígena:
- Para começar nossa conversa, vamos partir de um trecho do seu livro "A vida não é útil": "Quando o último peixe estiver nas águas e a última árvore for removida da terra, só então o homem perceberá que ele não é capaz de comer dinheiro". Gostaria que a gente partisse desse trecho, para refletirmos sobre como isto tem sido exposto durante a pandemia.
Ailton Krenak - Este trecho tem mesmo o intuito de alertar para uma espécie de erosão da vida. Não só pensando regionalmente, a América do Sul, e o Brasil. Mas estamos vendo isso acontecer no Mundo. Aqui no Brasil, tivemos uma piora recente, por termos um Governo que é negacionista e não valoriza os ecossistemas de floresta, de rio, de Mata Atlântica. Ultimamente, também estamos entendendo que ele também não se interessa pelo ecossistema humano, se as pessoas morrerem não faz diferença. É um período da nossa história do País que é muito deprimente. A ideia de que a nossa experiência como humanidade é uma maratona, que pode resultar em sucesso ou em fracasso, ela tem um sêmen, uma semente do engano. A experiência da vida é uma fruição, é o dom da vida. O dom da vida é maravilhoso, porque ele é maior que a gente. Nós não conseguimos atinar, com a potência da vida mesma fora de nós, nos átomos, em tudo. É maravilhoso quando a gente pensa a vida não como algo particular. Se a gente evoluir, vamos parar de achar que somos o centro do mundo e vamos entender que nós somos parte da vida. Eu tenho lido um escritor chamado Emanuele Cossa, um filósofo, um pensador que se interessou por olhar o darwinismo e pensar no debate sobre a evolução. Ele mostra que o mundo não foi criado feito um bolo, para a gente comer ele um dia. A experiência do planeta e da nossa existência é a mesma coisa. Nós somos, segundo Emanuele, um mix do DNA de tudo o que existiu antes da gente e de tudo o que vai continuar a existir depois da gente. Tudo está mudando. Apesar de nossa agonia com esse confinamento, essa falta de perspectiva, os outros seres estão existindo e tudo está mudando.
- A gente também interfere nessas mudanças, mesmo que negativamente. Podemos pensar em uma outra globalização, a partir de nosso ecossistema, mas, também em uma perspectiva macro. Como é possível pensarmos outras globalizações?
Ailton Krenak - Até agora, nós estamos conseguindo relacionar o local, o regional e o global. A narrativa que nós estamos compartilhando parte daquele princípio de agir localmente e pensar globalmente. É quando a gente vê um dano ecológico, por exemplo, um petróleo derramado nas praias.. Isto cria um sentimento de revolta, mas pode nos levar a pensar também sobre a economia que não tem fronteiras, que determina o tipo de sociedade que estamos compartilhando. Isso é uma maneira de pensar o macro. Uma outra globalização, ela implicaria em uma outra configuração, implicaria em reconfigurar o mapa mundi, no ponto de vista dos centros políticos do mapa mundi. A gente teria que ter uma redistribuição do impacto dos humanos sobre o organismo Gaia. Nós que estamos na periferia do mundo, como eu e você, a gente vive desigualdade histórica, de política e de economia do mundo.
- Durante estes meses de pandemia, você lançou dois livros e, recentemente, você foi escolhido como intelectual do ano pelo prêmio Juca Pato. Como tem sido a produção durante a pandemia?
Ailton Krenak - Também fiquei surpreso com essa produção, porque foi exatamente no período em que ficamos todos confinados. Um período de muita depressão, digamos assim. Agradeço ao universo por ter provocado em mim uma reação criativa. Em vez de eu me esconder, eu me expus nesse momento. O meu ser foi animado por uma poética, por uma subjetividade de afetação com o mundo, que me surpreendeu brotando, como diria Gilberto Gil, essa disposição amorosa com a vida. E a vida nos responde dessa maneira. Eu tenho uma gratidão muito grande de estar experimentando essa situação de ter recebido o Troféu Juca Pato. E eu brinco que não escrevo livros, sou como um griô, uma tradição na África. Os povos originários aqui das Américas têm uma tradição também de fala, da oratória, são grandes contadores de histórias. E eu digo que, enquanto nós tivermos uma história boa para contar, a gente está adiando o fim deste mundo, deste mundo complicado, que muita gente gostaria que já tivesse, inclusive, acabado.
- Mas a gente teima em resistir, né?
Ailton Krenak - Mas não é a gente, nos sentido do ego, do eu. É a vida que nos atravessa que faz a gente continuar. Vamos continuar a existir como vida, mesmo que os seres humanos todos acabem, a vida continua. É isto que está no livro "A vida não é útil". A vida é um dom, ela não é utilitária. A vida é fruição, é muito grande.
Mais uma questão:
Pergunta do professor Jeovah Meireles, do Departamento de Geografía da Universidade Federal do Ceará (UFC)
Jeovah Meireles - É chegada a hora, estamos nos últimos momentos (se ainda resta algum tempo) para adiar o fim do mundo. Como pensar e agir diante das corporações transnacionais e colonialistas que mercantilizam as florestas e o modo de vida das populações tradicionais, povos indígenas e as demais manifestações de vida?
Ailton Krenak - Nós já fazemos isto com o tempo. O mundo do trabalho, da política, eles estão relacionados com estes eventos, como se reconhecesse que a gente tem essa complexidade toda, e que o Planeta, independente do que a gente faça agora, ele já alcançou um grau desequilíbrio na oikos, na nossa casa em comum. Enquanto nós não acalmarmos o pensamento e criarmos uma visão compartilhada global, nós não vamos conseguir atuar contra as corporações, porque elas têm essa natureza global. Se a gente apertar uma grande corporação aqui do Brasil com a nossa legislação, ela foge e vai pra Ásia, vai para a África. Essa lógica do capitalismo, que escapa a qualquer lógica social, é um desafio para a gente pensar a superestrutura das grandes cidades do mundo, as práticas da economia que têm a capacidade de exaurir um continente e migrar para o outro.
Diálogos Ambientais - Os impactos das mudanças climáticas no Ceará
Quando: hoje, 26, às 15 horas
Onde: YouTube da Maestria Comunicação e Eventos
Inscrições: abertas e gratuitas em sympla.com.br