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Aniversário de Chinua Achebe amplia debate sobre literatura nigeriana no Brasil
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Aniversário de Chinua Achebe amplia debate sobre literatura nigeriana no Brasil

Nascimento de Chinua Achebe, considerado o pai da literatura nigeriana moderna, completa 90 anos e amplia debate sobre publicação de autores africanos no Brasil
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Chinua Achebe, considerado o pai da literatura nigeriana moderna (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Chinua Achebe, considerado o pai da literatura nigeriana moderna

Chimamanda Ngozi Adichie foi uma escritora precoce: aos sete anos, entre desenhos rabiscados em giz de cera, escreveu suas primeiras histórias. Todos os personagens eram brancos, brincavam na neve, comiam maçãs e celebravam os dias ensolarados — todos os personagens eram inspirados nos livros britânicos e americanos que a criança nigeriana da "pele da cor de chocolate" lia. Quando Chimamanda conheceu as narrativas de Chinua Achebe, com protagonistas africanos como ela, salvou-se de "ter uma única história" sobre o que os livros são. "Como são contadas, quem as conta, quando e quantas histórias são contadas, tudo realmente depende do poder. Poder é a habilidade de não só contar a história de outra pessoa, mas de fazê-la a história definitiva daquela pessoa", afirmou a autora de "Hibisco roxo" (2003) em palestra no programa TED Talk em 2009. "Histórias podem destruir a dignidade de um povo, mas histórias também podem reparar essa dignidade perdida".

Em novembro de 1930, há 90 anos, nasceu o romancista, poeta e crítico literário Chinua Achebe no vilarejo de Ogidi, leste de uma Nigéria ainda colonizada pelo império britânico. Considerado "pai da literatura nigeriana moderna", Achebe trocou o estudo de medicina pelas artes liberais e questionou a literatura rasa e profundamente racista produzida pelos colonizadores europeus sobre o continente africano. Nos idos de 1958, o escritor lançou "Things fall apart" — livro de estreia que permaneceu até a morte de Achebe, em 2013, como sua criação mais importante. Publicada no Brasil pela Companhia das Letras com o título "O mundo se despedaça", a obra seminal foi traduzida para mais de 50 línguas e possui cerca de 10 milhões de cópias vendidas.

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"O mundo se despedaça" é romance repleto da tradição oral dos igbos, grupo étnico ao qual Achebe pertencia. Ambientado na Nigéria pré-colonial, o livro escrutina o processo colonial no país: "O homem branco é muito esperto. Chegou calma e pacificamente com sua religião. Nós achamos graça nas bobagens deles e permitimos que ficasse em nossa terra. Agora, ele conquistou até nossos irmãos, e o nosso clã já não pode atuar como tal. Ele cortou com uma faca o que nos mantinha unidos, e nós nos despedaçamos", escreveu.

Ludmylla M. Lima, professora doutora da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab) no campus dos Malês, na Bahia, defende que "a obra de Chinua Achebe é de extrema importância para a literatura de língua inglesa e o seu romance 'Things fall apart' é considerado um dos principais romances africanos de todos os tempos. A literatura de Chimamanda Adichie dialoga diretamente com a obra de Chinua Achebe". A pesquisadora destaca a crescente publicação de autores de origem africana como importante movimento decolonial. "As potências colonizadoras e imperialistas ocidentais repetiram — e repetem — uma história única a respeito do continente africano, apagando as suas riquezas e especificidades, sempre vistas por um filtro homogeneizante e redutor. É preciso fazer um desvio do olhar, questionando a suposta universalidade do saber e da cultura ocidentais, em direção a novas descobertas e novas epistemologias que, afinal, revelarão muito sobre nós mesmos", complementa.

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Além dos consagrados Chinua Achebe, Chimamanda Ngozi Adichie, Nadine Gordimer e J.M. Coetzee, outros escritores de origem africana ganharam tradução brasileira de suas obras — como "Condições nervosas", da zimbabuense Tsitsi Dangarembga (1959); "Sem gentileza", da sul-africana Futhi Ntshingila (1974); e "Minha irmã, a serial killer", da nigeriana Oyinkan Braithwaite (1988). "Gostaria de mencionar também o nigeriano Wole Soyinka, o primeiro escritor africano negro a receber o Prêmio Nobel em 1986, cuja obra é praticamente desconhecida no Brasil. Felizmente, ele acaba de ter o seu livro de memórias 'Aké: os anos de infância' (1981) publicado em português pela Editora Kapulana. Esta editora tem feito um trabalho excepcional ao trazer a público obras fundamentais para que, no Brasil, se comece a conhecer o continente africano e toda a sua diversidade e riqueza", ressalta ainda Ludmylla.

Rosana Weg, diretora da Editora Kapulana, pontua que a casa é voltada para a publicação e divulgação de obras de autores brasileiros e estrangeiros, com destaque para literaturas africanas e foco em temas marginais. "Sabemos que a literatura africana é bastante vasta, pois a África é composta de países e culturas bem diversos. O fato de a literatura de alguns países africanos estar sendo mais lida hoje no Brasil deve-se a um caminho de mão dupla. Editores pesquisam e publicam obras que possam ser de interesse do leitor brasileiro, e leitores brasileiros são despertados por essa literatura que, é bom salientar, não é nova - apenas ou não estava disponível em nosso País ou estava mal divulgada". No catálogo, a editora disponibiliza títulos de países como Nigéria, Zimbábue e Quênia.

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"Vale lembrar também que nem sempre por ser literatura africana, o tema é África. Como em qualquer lugar do mundo, há obras de todos os gêneros. E aí reside a importância da leitura dessas obras no Brasil, por adultos e crianças, como fator de ampliação de nosso universo cultural", argumenta a editora Rosana Weg. Para fugir dos essencialismos reducionistas, a pesquisadora Ludmylla Lima convida: "Justamente por tratar-se de um continente muito extenso, plural e diverso, deveríamos deixar de lado a ideia de buscar semelhanças entre coisas realmente diferentes. Por que esperarmos semelhanças entre obras de países tão distintos em suas sociedades e culturas como, por exemplo, Zimbábue e Nigéria? É possível que obras destes dois países tenham tanta semelhança quanto obras, digamos, do Brasil e do Paraguai, postas em comparação. Ou seja, podemos compará-las, mas não há certeza de que tal comparação será frutífera para o entendimento destas obras, pode ser que a comparação seja demasiado forçada e acabe por mascarar especificidades que, se viessem à luz, nos trariam ganhos. Por que não nos aproximarmos dessas obras, num primeiro momento, com o espírito de descoberta de algo novo e talvez único em sua especificidade?".

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