Um estacionamento de aparência comum, mas submerso em água. O esqueleto de um prédio vazio, mas estranhamente ameaçador. Diferentes pontos de vista possíveis dentro de elevadores, mas olhados por alguém que não está lá. A partir da tradicional técnica da pintura a óleo, o artista visual Artur Bombonato representa paisagens e elementos comuns da vida urbana deslocando-os da banalidade a partir de sutis estranhezas visuais. Um recorte dessa produção, com curadoria de Ana Cecília Soares e Júnior Pimenta, será apresentado em "Pós-Tropical", primeira exposição individual de Artur, que abre neste sábado, 12, no Sobrado Dr. José Lourenço.
O primeiro momento da carreira do artista foi voltado para a arte urbana, a partir da produção com estêncil e grafite em murais nas ruas. A virada para pintar a óleo foi natural, pautada no interesse pelo pictórico - o que o levou, por exemplo, a abrir mão de spray e apostar na utilização do rolo de pintura ainda nos murais na rua. "Fui me interessando mais pela técnica e, em paralelo aos murais, comecei a estudar pintura a óleo. Em dado momento, resolvi me dedicar", contextualiza.
O mergulho na nova técnica trouxe consigo mais possibilidades. "É outro tempo, tanto de pensar como de executar. Uma obra pode demorar a ser feita e, aí, trabalho em outras coisas, faço experimentações, vou e volto no processo", destrincha. Essa abertura culmina, também, na desconstrução da representação "quase fotográfica" da técnica. "A pintura a óleo é um lance super tradicional e eu tento, primeiro, quebrar algumas regras. Apesar de ter uma estrutura mais ou menos clássica de composição, proporcionalidade, gosto de quebrar técnicas. Uso coisas para borrar, solvente para dar uma lavada na tinta e vir com outras camadas, gosto de pintar, desfazer e pintar de novo por cima, acolhendo erros da construção", descreve.
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Apesar de mudanças na forma, técnica e perspectiva, a cidade permaneceu enquanto tema e interesse na obra de Artur, atravessada pela experiência das perambulações. "Continuei vivenciando a rua. Gosto muito de caminhar pela cidade, pelo Centro, às vezes à noite, às vezes fotografando, e trago tudo para meu trabalho de estúdio", divide o artista. "Quando fui para o ateliê, senti falta dos ambientes e, sem perceber, passei a pintar mais espaços do que figuras humanas. Notei que tinha uma força nisso que me interessava: os espaços, os vazios, o rastro deixado por algum processo ou pessoa", destaca.
As ausências de "carne, pele", são algumas das forças do trabalho visual de Artur. "A única maneira que se vê pessoas são figuras vestidas com roupas de proteção química, radioativa. Entendi que meu interesse eram as paisagens da cidade e uma certa ficção dentro do espaço urbano", define. A relação entre os cenários distópicos da produção do artista e o contexto da covid-19, ele conta, é uma coincidência. "Na verdade, não tem basicamente nenhuma obra feita no período de pandemia. Tem a ver porque já tinha - por tudo que a gente está passando no mundo, até politicamente - um sentimento geral de incerteza no futuro", reflete.
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A identificação é possível, ainda, porque nos trabalhos de Artur as ficções que partem das representações do banal são sugeridas de forma sutil, demandando por vezes atenção redobrada aos detalhes de cada pintura e abrindo espaço para interpretações. "Gosto desse mistério, de deixar algumas coisas sem uma conexão muito óbvia. Como se fosse alguma pista faltando, uma coisa sutil que te dá estranhamento e te coloca em outro tipo de narrativa. É como eu entendo a arte", desvela.
Tal entendimento vem de referências de linguagens diversas, dos filmes de Andrei Tarkovsky e Harun Farocki às letras de Caetano Veloso e os Mutantes, passando por diálogos com obras de Max Ernst e Djanira - dos quais Artur "tomou emprestado" títulos de pinturas para nomear obras próprias, em gestos que buscam adicionar camadas ao aspecto visual. "Às vezes, eles servem para confundir, mas podem trazer uma referência nova. As pessoas têm tendência a olhar um trabalho e buscar significados, mas com os títulos eu procuro quebrar isso, porque é e não é. Nem gosto de falar tanto, pra não perder o mistério", finaliza, em tom que convida à descoberta.
Exposição Pós-Tropical, de Artur Bombonato
Quando: abertura sábado, 12, às 10 horas; visitação até 30 de janeiro nas terças às sextas de 9h às 17 horas, nos sábados de 9h às 14 horas
Onde: Sobrado Dr. José Lourenço (rua Major Facundo, 154 - Centro)
Mais informações: @sobrado154 ou (85) 3101 8826