"Eu sou a primeira mulher a ganhar no Ceará, mas eu não quero ser a última. Eu quero que outras pessoas olhem para mim e digam: 'Vou fazer isso também, porque se ela conseguiu, eu também consigo'". As palavras de Brendda Maria sobre a sua conquista no 32º Troféu HQMix podem dimensionar a relevância desse acontecimento. Considerado o maior prêmio nacional direcionado aos quadrinhos, o HQMix teve como "Novo Talento - Desenhista" nesta edição a artista cearense de 28 anos, feito inédito para a categoria no Estado.
O anúncio foi realizado pelo apresentador Serginho Groisman, que apadrinha o evento, no último dia 12 durante transmissão ao vivo pelo YouTube. Brendda, que já atuou como quadrinista no O POVO e nasceu no município de Aracati, ganhou o prêmio com a HQ "Cais do Porto" após votação nacional e chegou a concorrer com outros 11 artistas. Considerado o "Oscar dos Quadrinhos" no Brasil, o troféu busca "divulgar, valorizar e premiar a produção de artes gráficas no Brasil".
A vontade de participar do troféu, para Brendda, se manifestava desde o seu início nos quadrinhos, há cinco anos. Essa, aliás, não foi a primeira vez em que a artista se candidatou ao prêmio. Ela chegou a se inscrever com a sua participação na série de quadrinhos "Mayara e Anabelle", em que desempenhou a função de colorista. Apesar de não ter conquistado premiação na oportunidade, o sentimento que Brendda teve foi o de que a participação no HQMix "já valia".
Nesta edição, a artista decidiu submeter uma produção desenvolvida em 2019 e que até foi apresentada na Comic Con Experience do ano passado: a HQ "Cais do Porto". Como marca do trabalho de Brendda e uma característica reforçada pela quadrinista, a obra também se destaca pelas cores que reúne ao longo da narrativa. "O meu forte sempre foi a cor e nos meus quadrinhos eu tento trazer um pouco da aura do final de tarde de Fortaleza", complementa.
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A capital cearense, aliás, é o palco da história desenvolvida em "Cais do Porto". Os quadrinhos apresentam Clara e Giovanna, duas amigas que se reencontram em uma parada de ônibus em Fortaleza após mais de cinco anos sem se verem. Em comum, as protagonistas enfrentam momentos "sensíveis". A partir da conversa entre elas, relembram os tempos em que estavam próximas e "tecem diálogos calorosos" sobre como a vida na cidade mudou, assim como elas também mudaram.
"Quando Cais do Porto veio ao mundo ele veio de uma maneira muito sensível, falando sobre amizade, empatia e sobre entender também um pouco mais da nossa vivência na cidade", destaca Brendda. A artista relata que o título da HQ, assim como o desenvolvimento da narrativa, relaciona-se com a linha de ônibus "Cais do Porto", que liga a Barra do Ceará à zona portuária de Fortaleza.
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Ela comenta que sua maior inspiração para os quadrinhos veio a partir do "Zine XXX", projeto desenvolvido pela artista Beatriz Lopes que resultou na criação de fanzines focados na produção feminina de quadrinhos. Motivada para seguir os caminhos das HQs, Brendda publicou em 2015 as obras "Como Sobreviver À Terra da Luz", junto com Débora Santos, e "Silêncio". A artista também lançou, desta vez em 2016, a HQ "Manual de Sobrevivência À Vida Adulta", que aborda as inseguranças de uma jovem quadrinista ao tentar se adaptar à fase adulta. Com o universo dessa publicação, Brendda também atuou como quadrinista no O POVO.
As narrativas que Brendda desenvolve em suas obras abordam temas como ansiedade, depressão, o cotidiano de mulheres e como elas podem oferecer suporte umas às outras, além de tratarem sobre a relação das pessoas com a cidade. A quadrinista defende que é preciso "descentralizar" as narrativas e acredita que o prêmio conquistado pode contribuir para a valorização e para uma maior visibilidade de trabalhos desenvolvidos fora do "eixo Rio-São Paulo". "Quanto mais nós damos visibilidade para autoras cearenses, nordestinas ou nortistas, mais fazemos com que outras pessoas se inspirem em nós e consigam ter coragem de começar a publicar e de divulgar seu material. Isso só enriquece a publicação nacional e o cenário de quadrinhos", enfatiza.
Nesse contexto, inclui-se, para Brendda, a importância de "cenários plurais", pois assim é possível contemplar outras realidades e também "desviciar" olhares. "O fato de eu começar a contar histórias sobre Fortaleza, com nosso sotaque, com as nossas paisagens urbanas, isso ajuda muito a desviciar olhares. Tanto mulheres de forma geral quanto outras minorias produzindo histórias contribui para desviciar entendimentos de narrativas. Então, quanto mais pessoas diferentes puderem fazer quadrinhos e estar nesses espaços, melhor", acrescenta.
O Ceará também marcou presença no Troféu HQMix em outras edições, com artistas e publicações do Estado sendo finalistas e até conquistando categorias na premiação. Neste ano, por exemplo, foram 9 indicações com participações de cearenses. Entre os vencedores alencarinos ao longo do prêmio, encontram-se Klévisson Viana, Zé Wellington, Daniel Brandão e também a Fundação Demócrito Rocha (FDR).
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A Fundação conquistou o troféu em 2017 na categoria de "Grande Contribuição" com o Curso Básico de Histórias em Quadrinhos. Além disso, foi finalista na edição passada com a obra "História das Histórias em Quadrinhos Ceará" e com o Curso Quadrinhos em Sala de Aula.
Para Raymundo Netto, gerente editorial e de projetos da FDR, o Troféu HQMix é um prêmio muito importante e, além de contribuir para a valorização do segmento, atua como "uma vitrine fantástica" para produções em quadrinhos no País. "É um privilégio muito grande poder participar e isso, para nós, é um reconhecimento muito bom", afirma.
Conheça o trabalho da artista
Instagram: instagram.com/drawbrendda
Medium: medium.com/drawbrendda
Tumblr: brenddamaria.tumblr.com/
Cais do Porto
Quanto: R$20 (edição impressa) e R$9,81 (versão digital)
Onde comprar: versão física com a autora pelo Instagram @drawbrendda e versão digital pela Amazon