Para celebrar a história da sétima arte, o Telecine idealizou o Festival 125 anos de Cinema, que estabelece amplo panorama da produção cinematográfica dos primórdios à contemporaneidade. Durante o processo de curadoria dos filmes, uma prioridade se impôs: trazer diversidade para cada mostra temática. A partir daí, o festival, por exemplo, se aprofundou na produção de diretoras no início da linguagem e compôs a mostra "Pioneiras do Cinema", um dos destaques da programação do festival. Os 382 filmes, divididos em 32 mostras, já estão disponíveis no streaming do Telecine e seguem sendo exibidos no Telecine Cult aos domingos.
"Mostrar que as mulheres sempre estiveram lá é fundamental e necessário. Por isso, fizemos questão de destacá-las ao abrir o Festival com o pioneirismo dessas diretoras", afirma Karina Branco, programadora do Telecine Cult, idealizadora e uma das curadoras do projeto. São, ao todo, 16 filmes assinados pelas cineastas Alice Guy-Blaché, Mabel Normand, Germaine Dulac, Lois Weber, Olga Preobrazhenskaya, Marie-Louise Iribe e Mary Ellen Bute.
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Da lista, a francesa Alice Guy-Blaché é possivelmente a mais conhecida, ainda que faltem reconhecimentos para a grandeza da influência da cineasta. Tendo estreado na direção em 1896, foi uma das primeiras cineastas a produzir ficções, além de ter sido pioneira em outras frentes e ter fundado um estúdio em 1907. "Sua contribuição foi tão grande e sua posição foi tão central no desenvolvimento do cinema na França (e depois nos Estados Unidos) que simplesmente não há justificativa para o esquecimento", afirma Luísa Pécora, jornalista e criadora do site Mulher no Cinema, que produziu conteúdos sobre a mostra no Twitter @mulhernocinema em parceria com o Telecine.
Alice, ainda em vida, empreendeu esforços para reavivar memórias da própria trajetória, buscando recuperar obras perdidas e escrevendo uma autobiografia. Ainda assim, a invisibilidade dela chegou ao nível de um retrato da atriz Mary Pickford posando ao lado de uma câmera ser creditado em um banco de imagens como se tivesse a francesa na foto. O erro, define Luísa, é "sintomático da desinformação sobre as mulheres do cinema de forma geral". "Fica claro o desconhecimento também sobre Mary Pickford, que além de produtora importantíssima foi uma das maiores estrelas da história do cinema americano. É como se qualquer imagem antiga de uma mulher com uma câmera fosse agora associada a Alice - reforçando a ideia de que uma mulher diretora naquela época era exceção ou raridade", elabora a jornalista.
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"Ouço as pessoas dizerem 'agora temos muitas diretoras'. Estes comentários, embora por vezes bem intencionados, dão a entender que a presença da mulher na direção é algo novo ou produto de maior debate que estamos tendo sobre o assunto. Não é o caso: as mulheres sempre fizeram cinema e ajudaram a criar e desenvolver a linguagem desde o início", ressalta.
Os 16 filmes da mostra permitem "que o público tenha uma ideia de quão variada era a produção das cineastas desde aquela época", aponta Luísa. As produções abarcam o período entre 1911 e 1937, além de representarem gêneros diversos como comédia, melodrama e fantasia. A jornalista ressalta, ainda, que a possibilidade de acessar tais obras é fruto de trabalhos de preservação audiovisual, questão central para o Brasil frente à situação da Cinemateca.
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Luísa lembra da situação de "O Mistério do Dominó Preto", filme brasileiro lançado em 1931 com direção de Cléo de Verberena - uma das pioneiras do País, ao lado de nomes como Carmen Santos e Gilda de Abreu - que é considerado perdido. "Falar sobre as pioneiras, no Brasil ou em qualquer país, é falar sobre a importância fundamental das cinematecas, arquivos, museus e outras instituições de preservação dos filmes e da memória do cinema. Se estamos interessados em recuperar trajetórias e contar outra história do audiovisual, que seja mais completa e inclusiva e menos masculina e branca, não há como fazer isso sem valorizar os profissionais e instituições que trabalham com a preservação", defende.
"A minha principal fonte de informações são livros - em geral escritos em inglês, tanto por pesquisadores como Anthony Slide, Karen Ward Mahar, Cari Beauchamp, Alison McMahan, entre outros, como por algumas das próprias pioneiras, como é o caso da Alice Guy-Blaché, por exemplo. No Brasil, o livro 'Feminino e Plural', organizado por Karla Holanda e Marina Cavalcanti Tedesco, tem textos sobre algumas pioneiras brasileiras também. O Women Film Pioneers Project, projeto da Universidade de Columbia, é uma referência importante e um banco de dados que consulto com frequência, assim como cinematecas e arquivos online de forma geral. Sobre filmes, dois que foram lançados recentemente e abordam o assunto são 'E a Mulher Criou Hollywood', de Julia e Clara Kuperberg, e 'Be Natural', de Pamela B. Green".
Festival 125 anos de Cinema
Já disponível no streaming do Telecine
Exibições semanais no Telecine Cult aos domingos (consulte disponibilidade com a operadora de TV)