Na travessia da existência, costuram-se memórias e criam-se propósitos para os recomeços. Logo mais, o ciclo de um ano tão difícil se encerra. Parece quase involuntário refletir sobre o que se passou até aqui. Em meio às incertezas de uma pandemia, recordar a capacidade humana de sonhar pode ser um ato de sobrevivência. Neste rearranjo do cotidiano, os planners (do inglês, planejadores) se mostram uma ferramenta de reflexão, inspiração e autocuidado. Além de auxiliarem na organização da rotina, esses objetos estabelecem uma relação de respeito ao tempo e convidam à compreensão da própria jornada neste mundo.
Mesmo na era conectada, estratégias de realização de sonhos são esboçadas no papel. Os planners carregam rascunhos de futuras conquistas, mural de lembranças e motivações. Neste tipo de caderno, há espaço para compromissos, metas e ideias mirabolantes. Com ele, é possível monitorar humores, finanças e planos de viagem. Na ação de conceder um tempo para escrever suas histórias, tem-se a atenção às mutações dos ciclos da vida.
Para quem adquire o hábito de preenchê-lo, o momento representa um encontro consigo. "Foi uma das minhas melhores decisões de 2020", diz Leíssa Feitosa, ilustradora e estudante de Arquitetura e Urbanismo. Isso porque, no planner, é possível visualizar seus compromissos pessoais, da faculdade e do trabalho. Com as seções de planejamento anual, mensal e semanal, ela consegue equilibrar atividades diversas às metas traçadas no início do ano.
O planner tem sido um dispositivo de autocuidado, no qual Leíssa consegue situar o que precisa ou almeja fazer - para ir alcançando aos poucos. "Evita que eu fique angustiada e ansiosa com os compromissos. Pessoalmente, por ter muito contato com o meio digital, esse momento com algo físico é muito importante", revela.
Tais organizadores precisam funcionar no dia a dia. Afinal, considera Leíssa: "é um objeto que vai te acompanhar o ano inteiro". Os planners não datados são a sua escolha, pela liberdade de poder anotar como queira, sem pressão. Essa alternativa também pode ser ideal para quem deseja utilizá-lo a qualquer momento.
Trata-se do registro da sua forma de atravessar o tempo. Marcas que contarão sobre modos de ser e estar em determinado período da vida. "Você pode revisitar uma época, pois, no planner, tem os seus compromissos que já passaram. É uma ferramenta de recordação também", destaca Leíssa.
Para a artista Samanta Maramaldo, há beleza, intimidade e simbolismo nesse movimento de dispor planos e ideias em algo concreto. Na Limão Estúdio Criativo, ela desenvolve cadernos com propósito e, nessa época do ano, planners. Ambos artesanais, feitos à mão. "Ao escrever, com a própria letra, aquilo passa a existir além de dentro de si. Visualizar os planos no papel é como sentir que o primeiro passo foi dado. Ali, se consegue ter toda a liberdade para riscar e traçar os próximos passos. Um prazer que dificilmente o digital poderá oferecer".
Ao registrar caminhos, revela-se narrativas memoráveis. "Futuramente, nossos filhos e netos terão acesso aos nossos cadernos e poderão conhecer um pouco da nossa história", acredita Samanta. Com os planners, ela garante: "conseguimos enxergar a nossa vida num todo, não só como uma lista de tarefas a ser cumprida".
Assim como os movimentos da Terra, rodopios acontecem em cada sujeito. Mudanças, alegrias e ansiedades passeiam numa montanha-russa. De fato, não dá para ter controle de tudo. Apesar das tentativas de dar conta da temporalidade, há o incerto. Fale-se aqui sobre respeitar os processos, perceber enredos e ser gentil consigo. Como diz Gilberto Gil na canção "Esotérico", "mistério sempre há de pintar por aí".
Carregar histórias
Maria Rosa conta histórias de mulheres por meio da sua arte. Com a Arte de Maria, une militância à emancipação. A papelaria se tornou um suporte afetivo de inspiração, resistência e representatividade. A artista, designer e colagista construiu - com a marca - uma plataforma de conhecimento e acolhimento para mulheres, em especial, mulheres pretas. “Maria somos todas nós”, reverbera.
Essa visão de mundo transpassa pelos planners. A escritora mineira Carolina Maria de Jesus, por exemplo, está representada numa das artes de capa. Quando trabalhava como catadora de papel em São Paulo, a autora escrevia sobre o cotidiano na favela em cadernos encontrados no lixo. No livro "Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada” (1960), traduzido para mais de dez idiomas, há algumas dessas narrativas.
O processo de criação dos artigos da Arte de Maria inicia na pesquisa das vivências de cada protagonista. “Enxergo a essência de cada mulher a ser eternizada e parto para a pesquisa de imagens”, revela Maria Rosa. As colagens são feitas de maneira livre, em que a artista se deixa guiar pela inspiração.
Maria Rosa também crê na perspectiva de conforto e de registro do papel. Ela gosta de anotar em listas ideias e compromissos para poder se organizar com tranquilidade. Para a artista, cuidar da gestão do tempo é uma forma de melhorar a saúde mental. Por isso, pensa como seus planners podem facilitar isso.
”Faço um layout com ordem de prioridades, tirando o peso de ter que fazer tudo o que está na lista do dia. Nossos planners também não são datados. Essa é uma preocupação com relação à ansiedade. Se o planner não tem data, não existe aquela pressão de ter que preencher todas as páginas nos dias já determinados”, explica.
Para começar
A designer Mariana Fernandes descobriu o universo dos planners em 2015. Na época, não achou nada com o estilo nerd. Resolveu, então, fazer o seu próprio organizador caseiro. A ideia foi aprimorada na sua pós-graduação em Design Editorial, quando criou o planner nerd The Big Plan. Junto ao projeto, nasceu a Modocromático, onde comercializa ilustrações, papelarias e acessórios no mesmo estilo.
De acordo com Mariana, anotar a tarefa auxilia no aprendizado e na organização. Para começar, ela indica os planners não datados. "Possibilita a utilização nos anos seguintes, caso haja uma parada no meio do ano". Dividir as tarefas por cor também pode facilitar o entendimento, além de estimular a criatividade. Os planners devem ter áreas que funcionem para cada usuário. "É um eterno teste, mas é bem divertido", considera.
Agenda x planner x bojo
Agenda e planner são ferramentas de organização. Bujo é uma técnica. Cada um tem seu grau de dificuldade e pode se encaixar com diferentes personalidades.
Diferente de uma agenda, o planner tem o objetivo de organização baseado em um período. Por isso, apresenta visão anual, mensal e semanal para organizar baseado em espaços de tempo. Nele é possível dividir uma tarefa maior em vários pequenos afazeres, deixando o dia mais organizado.
Já o bujo consiste em uma técnica utilizada em qualquer tipo de caderno - pautado, liso, pontilhado, quadriculado e etc. Com o bujo, é possível definir áreas que se encaixam mais no estilo de organização, como divisão mensal, controle de livros, filmes, exercícios e outros compromissos. Com a técnica, é necessário criar todas as páginas à mão. Exigem um nível maior de esforço, mas pode ser ideal para quem precisa organizar áreas bem específicas da rotina.
Fonte: Mariana Fernandes, designer, pós graduada em Design Editorial e proprietária da Modocromático
Por que um planner?
Permite organizar um cronograma do dia, mês e ano;
Ajuda a manter novos hábitos;
Permite fracionar metas para alcançá-las de forma gradual;
Estabelece prioridades para os compromissos;
Com a revisão das metas, é possível checar suas realizações e mutações;
Cria uma vivência comprometida com propósitos;
Auxilia na visão geral da vida, interligando várias áreas para o equilíbrio pessoal;
Preenchê-lo pode ser um encontro consigo e com a vida que se quer ter.
Fonte: Marília Castro Alves, psicóloga
Onde encontrar
Arte de Maria
Mais info: www.artedemaria.com
Modocromático
Mais info: loja.modocromatico.com
Limão Estúdio Criativo
Mais info: www.limaoestudiocriativo.com.br
Tilibra
Mais info: www.tilibraexpress.com.br