"A jangada" é última peça composta por Alberto Nepomuceno, em 1920, ano de sua morte. Com versos de Juvenal Galeno, que com sensibilidade de grande poeta, captou a essência dessa última canção do compositor. Símbolo de sua terra, de sua gente, a jangada representa também o caminho para o mundo percorrido além-mar por Nepomuceno em sua juventude, quando sai de sua terra natal, Fortaleza e realiza estudos e pratica música em Recife, Rio de Janeiro, na Itália, Alemanha, Noruega, Áustria, França.
Símbolo poderoso em sua fragilidade aparente de estrutura, mas que se projeta em desafios grandiosos à conquista do mundo da arte, na busca do pescador por novos dias, alimento do corpo e da alma. Estradas de água, caminhos que levariam Nepomuceno a chegar com maestria à composição musical, em que mostrou elementos de regionalidade (vejam-se "Batuque", da Série Brasileira, e "Galhofeira", de quatro peças líricas, opus 13, por exemplos) e da melhor tradição da música ocidental europeia, como em sua "Sinfonia em Sol menor" e "Suíte antiga", esta regida por ele em sua versão orquestral, na prova final de seus estudos em Berlim, à frente da Filarmônica desta cidade.
Músico respeitado por seus pares, reconhecido em seu tempo como grande compositor e excelente pianista, além de organista e regente. Compôs várias canções com poemas em português - foi grande incentivador do canto erudito no Brasil em nossa língua - que foram incorporadas a seu eclético e vasto repertório de outras canções com textos em alemão, francês, italiano.
Como diretor, Nepomuceno abriu as portas do Instituto Nacional de Música para apresentação de músicos talentosos, inclusive de outras tendências estilísticas como a popular e folclórica. Ao mesmo tempo, introduziu no País a música da vanguarda europeia, tendo também iniciado a tradução do "Tratado de Harmonia" de Arnold Schoenberg, que tentou implantar no Instituto sob forte oposição. Além disso deu grande impulso ao acervo da biblioteca da instituição, que posteriormente recebeu seu nome.
Por tudo isso, Alberto Nepomuceno tem todo o merecimento às múltiplas homenagens que se lhe têm sido prestadas no centenário de sua morte, marcado em outubro de 2020, às quais vem se somar este pequeno texto. Sua jangada continua navegando, em quantos estão atentos à sua música. Quando finalmente chegou de volta depois de conquistar o mundo da arte, nosso grande compositor finalmente descansou. E coube a nós desde então, manter acesa a vela, preservar sua mensagem para os tempos que virão!
Paulo Roberto Carvalho de Almeida é graduado em Música pela Universidade Estadual do Ceará e professor de Patologia na Universidade Federal do Ceará. Integrante do Coral da Uece