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O que pode um cinema no interior?
Vida & Arte

O que pode um cinema no interior?

A cidade de Cascavel acaba de ganhar salas de cinema. Cheia de memórias e expectativas, a jornalista Isabel Costa acompanhou o lançamento
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As salas seguem padrão nacional da Rede Centerplex  (Foto: Isabel Costa/ Especial para O POVO )
Foto: Isabel Costa/ Especial para O POVO As salas seguem padrão nacional da Rede Centerplex

O carro de som fez o primeiro anúncio: "Dos quadrinhos da DC para as telas do cinema. Não perca, hoje, 'Mulher Maravilha 1984', é no cinema de Cascavel!". O instrumento de comunicação que, para alguns, pode soar ultrapassado foi o escolhido para anunciar a chegada da novidade na cidade do Litoral Leste. Cercadas de descrença, as salas de cinema de Cascavel - distante da Capital por pouco mais de 60 quilômetros - foram inauguradas.

É contraditório e assustador pensar no funcionamento de um equipamento cultural em uma cidade pequena durante uma pandemia. Mas também é feliz. As salas integram a política de interiorização do acesso ao cinema promovida pela rede Centerplex. E foi assim que os 71 mil habitantes de Cascavel passaram a ter, perto de casa, salas novinhas em folha - com direito a bomboniere, cinema 3D, ingressos online, refil de pipoca e todos os requififes existentes nos centros urbanos. 

Lembro que, na infância, mamãe falava com saudade sobre as salas de cinema de Cascavel. Era a diversão de domingo. Sempre que passávamos diante do antigo prédio - onde atualmente funciona uma igreja evangélica - ela tecia as histórias sobre "as palhaçadas do Carlitos", "os namoradinhos", "as roupas da moda". Entretanto, como sabemos, os cinemas de rua perderam força com a chegada da televisão.

Visitei o Centerplex na última sexta-feira, 15, dia da abertura oficial. A produção escolhida foi "Mulher Maravilha 1984". A outra opção era "Trolls 2", que os meus acompanhantes se negaram a assistir. "Mas não tem, assim, uma coisa de suspense?", eu ouvi. Ainda bem que Gal Gadot não decepciona.

Confesso que estar na sala é levemente desesperador. O medo do coronavírus é inegável. Apesar de todas as regras de segurança sanitária - que incluem muito álcool, máscaras e distanciamento entre as poltronas escolhidas previamente -, não há ser humano consciente que não fique receoso ao entrar em um lugar tão fechado. É uma antítese pensar nessa inauguração enquanto Manaus vive uma crise hospitalar, as mortes passam de 200 mil e a sonhada vacina nos chega de forma incerta.

Não tenho um dado estatístico sobre quantos habitantes da cidade já entraram em uma sala de cinema. Mas acredito que são minoria, pois, para conseguir acessar, há custo e deslocamento. A viagem feita de carro ou de ônibus, que demora mais de uma hora; os horários das sessões, geralmente no turno noite; os preços dos ingressos, que desagradam até quem mora na Capital.

Agora, ao invés de brigar com os aparelhos televisores, os cinemas cascavelenses vão travar um combate com a Netflix, a Amazon Prime, a Disney , a HBO Go, a GloboPlay e até o YouTube. A concorrência está alta. Logo depois de sair da sessão, as mensagens começaram a chegar ao telefone da minha parceira de aventura. Sim, pois, com uma foto postada, toda uma cidade sabe onde a pessoa está. "Vale mesmo o ingresso?", "É igual ao cinema de Fortaleza?", "Mulher, tu gostou?", "Qual filme viu?". Há curiosidade cercada de incredibilidade.

Lembrei os meus dias de moradora de Fortaleza. Saia da Redação do O POVO correndo para não perder a sessão das cinco. Entrava com a roupa do dia, descabelada, calçando sandálias havaianas. O importante era o filme. Mas, em Cascavel, a banda vai tocar diferente. Na fila de retirada do ingresso já avistei os primeiros frequentadores bastante arrumados. Muita maquiagem, muito salto alto e muitas selfies nas redes sociais. Não julgo, pois não poderia ser diferente. O cinema, aqui, é realmente um evento. Merece pompa e circunstância.

As salas de cinema ficam localizadas no Shopping Cascavel. Claro, elas sempre estão em shoppings. Na Capital ou no Interior, os cinemas de rua estão sufocando. Em virtude da pandemia, a construção e a inauguração do empreendimento foram postergadas. Poucas lojas estão abertas e a praça de alimentação está restrita a sanduíche e calzone. A descrença passa por esses motivos. Mas eu, particularmente, espero que esse roteiro de "Cine Holliúdy" seja favorável ao personagem Francisgleydisson. Ele, mesmo ficcional, deve comemorar cada vez que os créditos sobem em uma sala de cinema do interior.

*Inquieta, porém calma. Isabel Costa é jornalista, mediadora de leituras e menina criada nas praias do Cascavel

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