Após um dia de trabalho, alguém entra no carro e liga o rádio para enfrentar o trânsito. Outra pessoa está dentro de um ônibus lotado à caminho de casa, com o celular sintonizado em uma estação. Já um trabalhador, aquele que sai do expediente mais tarde, coloca os fones de ouvido para impulsionar a produtividade no começo da noite. Em todos esses dispositivos, a trilha sonora provavelmente será a mesma. Desses aparelhos, a voz do Rappa pode ser escutada ao entoar: "Valeu a pena, ê ê/ Valeu a pena, ê ê/ Sou pescador de ilusões/ Sou pescador de ilusões". A aposta é que Samuel Rosa, do Skank, também ganhe alguns minutos entre os ouvintes ao cantar: "E quando eu estiver triste/ Simplesmente me abrace/ E quando eu estiver louco/ Subitamente se afaste". Afinal, quem hoje não escuta essas canções com regularidade nas emissoras mesmo depois de mais de uma década de seus respectivos lançamentos?
Essas músicas antigas não tocam por acaso: de acordo com a empresa de monitoramento Crowley, até 29 de janeiro deste ano, "Sutilmente" esteve por 618 semanas nas rádios, enquanto "Pescador de Ilusões" esteve 1069 vezes. Em relatório publicado sobre as composições mais escutadas de 2020, é possível perceber que o gênero do pop/rock concede mais espaço para produções antigas em relação às novas. "Dias Melhores" (2000), do Jotaquest; "Clocks" (2002), do Coldplay; "É Preciso Saber Viver" (1998), dos Titãs; e "Torn" (1997), de Natalie Imbruglia são alguns desses títulos que dividem o ranking. Na lista específica para o rock, a situação se agrava. "Wind of Change" (1990), do Scorpions; "We Are One" (1998), do Kiss; e "Nothing Else Matters" (1992), do Metallica podem ser citadas.
Um dos motivos que leva as emissoras de rádio a repetir sempre as mesmas composições é o retorno monetário que bandas e artistas antigos ainda trazem. "Eles têm gravadoras com grandes selos, que têm acordos com grandes mídias. Isso acaba fazendo com que essas bandas sejam mais tocadas", explica Pedro Barreira, curador artístico do Festival Mada - evento no Rio Grande do Norte que apresenta novos trabalhos musicais do País. "Já trabalhei com artistas da nova música independente. Hoje em dia os músicos não contam com um agente, então fica difícil para as novas canções circularem na rádio", comenta.
Agora, os artistas não enfrentam apenas a falta de contato com as rádios, como as emissoras também trabalham prioritariamente com o que recebem das gravadoras. Poucas vezes há a busca pelo que existe de novo no mercado, já que, no contexto brasileiro, os músicos tendem a atuar de forma autônoma. "Com uma diversidade tão exuberante de músicas no Brasil e no mundo, só temos acesso ao novo nas plataformas digitais", afirma a cantora, compositora e produtora Mona Gadelha. Para ela, a falta de novidades relacionadas ao rock é reflexo da indústria cultural que atinge vários outros estilos. "O que está em jogo é da ordem econômica e, na maioria das vezes, em contraposição à poética da inventividade. Acha-se uma 'fórmula' e usa-se até a exaustão", defende.
"Hoje a rádio continua essencial na carreira de qualquer artista que queira ter um destaque nacional. Se a gente entendê-la pelos números, você está tocando para um público de aproximadamente 30 mil pessoas", indica Pedro Barreira.
Mona Gadelha também ressalta o mérito dessa mídia para a formação do gosto musical brasileiro. Entretanto, essa situação se descentralizou com o advento da Internet. "Houve uma época em que só o rádio e a televisão determinavam o que é chamado de 'sucesso'. Hoje não mais. Embora os grandes portais da Internet pertençam a conglomerados de comunicação e continue difícil para artistas independentes divulgarem suas músicas, pelo menos há o processo, digamos, libertador, de se fazer ouvir nas plataformas digitais", considera. Mas ela enfatiza que o rádio também não parou no tempo: "está na web, nos podcasts".