Durante a maior parte do dia, parece impossível cessar as notificações do celular. É a foto mais recente do Instagram, o último retweet do Twitter, o novo contato do LinkedIn, outra mensagem no Whatsapp… e, desde março de 2020, a notificação de novas salas no Clubhouse. A rede social de áudio ganhou popularidade no Brasil em fevereiro de 2021, após uma conversa entre o fundador da Tesla, Elon Musk, e o CEO da Robinhood, Vlad Tenev, também transmitida ao vivo pelo Youtube no primeiro dia do mês.
No novo espaço online, os usuários intercalam entre os papéis de moderadores e ouvintes, em salas de conversa simultâneas que podem abordar desde o recorde de rejeição em uma eliminação do Big Brother Brasil até as últimas estratégias para impulsionar sua carreira. Com a participação de Elon, outros famosos começaram a fazer parte da ferramenta e as pesquisas do aplicativo alavancaram em 525% em uma semana no Google, segundo dados da própria plataforma. O crescimento impressiona ao levar em conta a exclusividade da ferramenta. Novos integrantes do clube só são permitidos mediante convites enviados por usuários, e apenas para quem possui o sistema iOS.
Uma tendência, de acordo com a cool hunter, surge no "micro", ao ser vivida por um grupo de pessoas para, futuramente, poder conquistar o "macro" e atingir um público maior. Há cerca de quatro anos, Sarah já apostava no podcast como "o futuro". O Clubhouse pega carona no sucesso do formato de áudio com o bônus de possibilitar a criação de conexões. Ou seja, o participante conhece novas pessoas e troca informações sem precisar sair de casa ou se dedicar exclusivamente a conversa, como um podcast interativo.
Ao mesmo tempo em que todos descobrem como funciona - e onde pode ser aplicada - a nova plataforma, a rede social tende a diminuir a influência de pessoas já famosas e propõe deixar os usuários no mesmo nível de diálogo. "Todo dia é uma loucura, eu sigo surpresa porque pessoas que eu admiro muito, que eu sigo o trabalho, me seguem e começam a conversar comigo", conta Sarah.
Para além dos filtros e das legendas existentes nas outras redes, o aplicativo oferece uma gama de conteúdo que, como destaca Sarah, "dá voz a pessoas que não possuem". Para continuar o propósito do seu podcast, a publicitária criou a sala "Indo no Contrafluxo", às terças e quintas, a partir das 20 horas. Além disso, também é moderadora do primeiro club oficial de entretenimento no Brasil, o "Arroz, Feijão e Fofoca", em parceria com Kaique Brasileiro, que acontece às terças e quintas, às 15h30. O intuito da iniciativa é tirar o foco dos assuntos mais pesados e colocar em pauta temas mais leves.
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Enquanto Sarah se conecta em Fortaleza, o jornalista e doutorando em Ciências da Comunicação pela Universidade de Coimbra, Gustavo Freitas também testa a ferramenta em Portugal. Gustavo aproveitou para explorar o aplicativo ao conseguir um tempo livre entre os estudos e entrou como moderador na sala "Acorda, Menina!", em referência ao bordão da apresentadora Ana Maria Braga. O espaço virtual é definido como um "terminal de ônibus", sempre tem alguém para conversar, seja sobre trivialidades, seja sobre temáticas mais sérias. A sala já passou cinco dias ininterruptos ao vivo, nem que contasse com apenas cinco pessoas.
"Eu tenho gostado muito da plataforma porque se eu quiser um assunto sério, todo dia tem (...) Ao mesmo tempo eu tenho o "Acorda, Menina!", se eu quiser dar uma relaxada e conversar com pessoas para criar uma proximidade virtual, eu também tenho". Dentre os assuntos de interesse de Gustavo, estão a comunicação, os direitos humanos e as questões pós-coloniais.
Ao citar o lado positivo do aplicativo, o jornalista evidencia o protagonismo da fala. "O que eu gosto muito da plataforma é que ela traz uma coisa nova que é: a gente não trabalha mais com a imagem, apesar das pessoas ainda quererem se promover, a ideia não é essa", destaca. A dinâmica pode ser difícil em plataformas que lidam prioritariamente com o visual, como o Instagram, aplicativo onde pessoas com grandes números de seguidores também conseguem maior engajamento.
Em relação a comunicação, Gustavo pontua que a plataforma pode beneficiar a oratória dos participantes. "Acho que por essa rede primar pela conversa, pelo ao vivo, ela pode colaborar com a nossa capacidade humana de nos comunicarmos sem o viés tão tecnológico, só com a voz. Eu vou ser visto pela forma como eu digo e escuto as coisas", comenta.
Em tempos de isolamento social, onde o Brasil enfrente um aumento no número de casos e Portugal, atual casa de Gustavo, passa por mais um lockdown, o jornalista afirma que "o fato de estarmos mais sozinhos, não conseguimos estar com amigos e turmas, é um ponto positivo para a rede porque as pessoas combinam, entram na sala e estão conversando em pé de igualdade. Você sente que a outra pessoa está lá com você", destaca.
A empreitada tecnológica ainda precisa ajustar alguns pontos de melhoria, como a acessibilidade para surdos, a disponibilidade da plataforma em outros sistemas, como o Android, e o filtro de conteúdos nas salas, que podem acabar sendo ofensivos. O fato é que outras redes já estão de olho na proposta, como o Twitter, que vem testando novas ferramentas no Twitter Spaces, recurso de mensagens em grupos por voz.
A nova rede social não necessariamente implica o fim das outras, mas agrega nas formas de entrega de conteúdo e na construção de novas relações. O que irá resultar das interações criadas a partir do Clubhouse ainda é uma incógnita, afirma Gustavo. Mas a dinâmica pode sinalizar o momento de protagonismo da fala. "O Clubhouse traz a voz, o pensamento, e isso conecta", aponta Sarah Veloso.