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Cinema cearense: 18 filmes e o desafio da pandemia
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Cinema cearense: 18 filmes e o desafio da pandemia

Lei Aldir Blanc fomenta a realização de 18 longas no Ceará, mas avanço da pandemia no Estado dificulta gravações
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Foto: Divulgação "Memórias da Chuva", filme de Wolney Oliveira, narra os impactos em torno da construção do Orós e Castanhão

O Edital de Apoio ao Audiovisual Cearense -Lei Aldir Blanc, lançado em outubro do ano passado pela Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (Secult), destinou R$11,5 milhões à produção de longas e curtas-metragens, ao desenvolvimento de roteiro; à finalização de longas e à manutenção de cineclubes no Estado como medida de amparo ao setor diante da crise sanitária de Covid-19. A política de patrocínio aprovou fomento a 18 longas nos gêneros ficção, documentário e animação. Numa alusão ao clássico "Deus e o diabo na terra do sol", filme de 1964 dirigido por Glauber Rocha, o audiovisual no Ceará encontra-se agora entre o paraíso e o inferno: a efervescência de financiamentos anima realizadores, mas o avanço da pandemia retarda gravações e dificulta a prestação de contas nos prazos estabelecidos pelo poder público.

Ação referente ao inciso III da Lei Aldir Blanc, que dispõe sobre medidas emergenciais destinadas ao setor cultural durante o estado de calamidade pública, o Edital de Apoio ao Audiovisual Cearense concedeu os valores de R$ 1.400.000,00 a cada longa ficção; R$ 1.400.000,00 a cada longa animação; e R$ 800.000,00 a cada longa documentário gravados na Capital e no interior do Estado. O decreto federal que regulamenta a legislação determinou aos estados a data de 30 de junho de 2021 para atestar ao Ministério do Turismo o cumprimento do objeto — assim, a Secult estabeleceu aos aprovados o prazo de vigência até o próximo 30 de abril e a prestação de contas à pasta até o final do mês de maio. Agora, a luta é pela prorrogação junto à Secretaria Especial da Cultura.

"Numa comparação, é de fato uma mistura de paraíso com inferno", lamenta o cineasta Wolney Oliveira. Diretor do Cine Ceará, Wolney teve o projeto de documentário "Memórias da Chuva" aprovado pelo Edital de Apoio ao Audiovisual Cearense. A obra narra os impactos envolvidos na construção dos Açudes Orós e Castanhão no interior do Estado. "Paraíso porque eu, como diretor, resolvi um financiamento para um projeto que eu jamais teria esperança de conseguir nesse momento graças a uma construção conjunta e democrática entre a Secult e o audiovisual; e inferno pelo que a gente está vivendo, pelo País onde existe um negacionismo impressionante e uma irresponsabilidade criminal. Eu já sou do grupo de risco, tenho quase 61 anos", complementa.

Em entrevista ao O POVO, Wolney Oliveira ressaltou que o aumento dos casos de Covid-19 nas últimas duas semanas de fevereiro afetou a produção dos longas contemplados no edital. "A minha equipe viajaria na quarta, 24, para filmar em Orós, mas é muito difícil filmar nessas condições. Já temos dois casos de saúde na equipe. Têm pessoas de 75 anos que eu preciso entrevistar, mas algumas delas só vão conversar comigo depois da segunda dose da vacina... Na última segunda, 22, nos reunimos com a Secult e estamos buscando condições legais para adiar esses prazos de prestação de contas", adianta o cineasta.

Maurício Macêdo, produtor do filme "Amores Paraguayos" dirigido por Janaína Marques, destaca que a ficção sobre as personagens Rosa e Dalva envolve quase 100 colaboradores. No período de filmagens do road movie, são necessárias 55 pessoas reunidas, entre equipe técnica, elenco e prestadores de serviços. "Esse movimento de pegar estrada, hospedar em hotel e sair pra rodar acaba nos deixando bastante expostos naturalmente. É um desafio gigante fazer um projeto dessa magnitude. Nós prezamos pela saúde e pela vida. Precisamos de números menos alarmantes para tocar o projeto de maneira minimamente segura. Em um pico de segunda onda como o que vivemos, seria irresponsável começar esse set. Dois meses atrás a situação era outra, seria menos arriscado e preocupante", defende.

"Amores Paraguayos", segundo o produtor, contará com um rígido protocolo de biossegurança. Entre as principais medidas, Maurício destaca a obrigatoriedade de uso de EPI por todos os membros da equipe, a higienização frequente de espaços e equipamentos, um cronograma de testagem, o limite máximo de 20 pessoas dentro do set e o cumprimento de quarentena de novos membros. "A Lei Aldir Blanc foi uma conquista da cultura brasileira e é fundamental para a garantia não só da produção cultural no Brasil, mas para a sobrevivência das empresas e dos trabalhadores da Cultura. É imprescindível que o poder público e que a população juntem-se na defesa da vida e saúde dos trabalhadores da cultura lutando pela prorrogação dos prazos da em todo o País até junho de 2022".

Sócia-fundadora da Tardo Filmes, a cineasta Ticiana Augusto Lima destaca que o filme "Abril vazio" — contemplado na categoria ficção — já foi pensado para ser gravado durante a pandemia. Responsável pelo desenho de produção, Ticiana planejou as filmagens concentradas em uma só locação, restringindo o fluxo das 35 pessoas envolvidas no processo. "Mas o cinema é uma arte coletiva, né? É uma arte que a gente precisa, a priori, aglomerar e estar juntos para conseguir fazer. Então a questão é como fazer. Do mesmo jeito que eu, produtora, estou aqui pensando em como posso colocar as pessoas para estarem juntas de maneira segura, o poder público tem que entender que o setor audiovisual é maior do que o setor farmacêutico, a gente move mais dinheiro e tem mais pessoas trabalhando e essa atenção é necessária".

As gravações de "Abril vazio" devem começar, ainda segundo a produtora, nesta semana — mas o cenário incerto de saúde pública pode afetar a produção. "A cada dia, a cada hora e a cada semana que passa as coisas se atualizam e movem de lugar e a gente precisa entender como consegue estar nisso juntos. O Governo Federal precisa nos dar mais prazo, mais tempo, mais cuidado e mais atenção para que o setor audiovisual possa continuar executando projetos e gerando mais filmes. Em 2020, a gente viu a importância do audiovisual com todos dentro de casa se conectando através de filmes, de produções como as que estamos elaborando agora", adiciona Ticiana.

Para a gerente de projetos da Pyrilampo Filmes, Suzana Costa, a primavera dos financiamentos ao setor audiovisual deve ser celebrada, mas o momento exige cautela e responsabilidade. A Pyrilampo é responsável pela produção do documentário "Percurso da Verdade" (título provisório), do diretor Popy Ribeiro, sobre a violação aos direitos humanos de ativistas políticos que se levantaram contra o regime militar de exceção instalado em abril de 1964. Entre pesquisa, pré-produção, produção e montagem, o longa conta com 25 pessoas na equipe. Além disso, os 15 entrevistados estão na faixa de 70 anos, grupo de risco.

"Gravar no Ceará, hoje, não representa mais um desafio, mas sim uma irresponsabilidade, na minha opinião. Com a equipe, com os personagens e com o Governo do Estado, que tem lutado com muita coragem para gerenciar o dramático impacto que essa nova onda tem causado no Ceará. A Secult está muito alinhada com o setor porque é muito consciente da situação pandêmica do estado. Como montar uma equipe, juntá-la em veículos, entrar na casa das pessoas e lá passar o dia filmando quando já batemos o limite de leitos? Como nos expor desta maneira quando o Estado está ampliando as restrições a cada dia? Cineastas, produtores, atores e técnicos estão no paraíso quando estão em seus sets de filmagem, e é onde gostaríamos de estar todos, mas isso não é possível. A pergunta que me faço quanto à dificuldade de se definir essa prorrogação que o Brasil pede é "por quê?". Os projetos estão prontos e aprovados, os recursos entregues.... Qual a vantagem de que sejam produzidos tão rapidamente e, sobretudo na contingência de hoje?", encerra Suzana.

 

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