Gostaria de pedir licença. Você teria alguns minutos para ouvir a palavra da desobediência? Prometo que seremos rápidos, só não garanto que depois dela você conseguirá voltar normalmente para as normas do cotidiano. Metaforicamente, é assim que se dá a proposta curatorial da 3º edição do Festival de Performance Imaginários Urbanos ao enviar, por serviço de Mala Direta dos Correios, 20 mil encartes-dispositivos para 13 bairros da cidade de Fortaleza, um bairro de Uruburetama, um bairro do Crato, além de um bairro das cidades de Campina Grande (PB), Natal (RN), São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ) e Porto Alegre (RS) (algumas das cidades de artistas que têm obras selecionadas para a edição).
Endossamos que seria muito potente ocupar as ruas da cidade a partir da provocação que guia esta edição do Festival - Desobediências Poéticas -, mas a urgência do tempo presente nos exige, ao máximo que pudermos, ficar em casa. Sendo assim, o Festival é que deriva entre as casas, como forma encontrada para furar a bolha e levar as palavras dos desobedientes poéticos aos diversos territórios de um país devastado pela Covid-19 e pela falta de ações de real impacto de mudança, por parte do Governo Federal, mesmo após mais de um ano de pandemia e mais de 300 mil mortes. Imaginários Urbanos é um festival, criado em 2018, que desde o início tem por objetivo fortalecer e difundir as poéticas dissidentes, principalmente no cenário da performance arte, tanto no âmbito da pesquisa quanto da criação.
Nesta edição, o tema Desobediências Poéticas realmente era/é a única temática possível para esse momento: de que forma as poéticas de desobediência apontam para exercícios de imaginação de mundos outros, ao passo que afirmam a falência do atual? Desobedecer ao sistema posto e mantido com/pelas regras do jogo que privilegia os detentores do poder-capital é, certamente, cada vez mais urgente. Desobedecer como forma de desaceitar o inaceitável e desbanalizar o mal. Desobedecer como estratégia de vida, de manutenção de vidas marginalizadas e minorizadas historicamente (marginalização e minorização é um processo imposto). Desobedecer para afirmar que outros mundos são possíveis e que eles já estão em curso, mesmo que, às vezes, apenas enquanto um lampejo de vagalume.
O objetivo do Festival é, na fagulha da desobediência, montarmos uma legião de artistas, pesquisadores e produtores para inventar enfrentamentos à realidade mortífera que somos postos a viver. Negamo-nos a aceitar os pressupostos impostos aos corpos e aos modos de ser/estar no mundo, eles não nos contemplam. Com isto, destaco aqui os nomes de todos(as) os(as) envolvidos(as), pois como disse, somos uma legião, uma legião da diferença e que aqui precisam ser nomeados, pois fazer-se presente nessas páginas é mostrar que não somos minoria: Aires, Amanda Gatti, Ana Mundim, Ari Areia, Eduardo Bruno, Eduardo Guerra, Eudo Araújo Jr., Flor Ferraz, Gustiele Fistaról, Hícaro Nicolai, Isadora Ravena, Jeanu Feal, João Paulo Lima, Kerensky Barata, Leite Jr., Lili Nascimento, Lívio, Marcelle Louzada, Marcelo Prudente, Mariana Villas-Bôas, Marie Auip, Marie Carangi, Marina Mayumi, Naira Ciotti, Nídia Aranha, Rita Cavassana, Rodrigo Pedro Casteleira (PC), Sebastián Lara Grajales, Tiago Gasperin, Vita da Silva, Vive Almeida, Waldírio Castro, Walmick de Holanda, Zahy Guajajara.
Cabe destacar que cada trabalho de vídeoperformance que compõe esse caleidoscópio de trabalhos artísticos constata o momento atual que vivemos em relação aos processos históricos, ao mesmo tempo que catapulta nossa imaginação para outros mundos possíveis, para além deste que está sucumbindo e precisa sucumbir. São obras de diversas regiões do Brasil, em relação com o cenário internacional, pois as ilhas de desordem que tensionam as certezas do mundo estão espalhadas geograficamente, porém estão unidas no objetivo de recriar nossas capacidades imaginativas para mundos outros.
Indico ao leitor que, após ter lido este texto, e ter sentido o chamado poético em desobedecer, que acesse o nosso site: www.festivalimaginariosurbanos.com.br (@imaginarios_arte - Instagram) e venha partilhar esse momento de fabulação de um levante em comunhão com outros mundos possíveis. Nosso convite é para a partilha, a instrumentalização civil para a construção de poéticas e políticas que rompam com as violências concentradas historicamente em certos corpos e modos de vida.
Desobedecer coletivamente, imaginando outros mundos, ao passo que materializamos outros possíveis para o visível, o dizível e o factível, é nossa proposta. Desobediências poéticas que estão presentes nos 12 trabalhos que compõem a mostra artística do Festival, mas que não findam em si, ao contrário, convidam que outras desobediências germinem.
Agora, me despeço de você. Acho que a palavra já foi plantada, espero que ela germine. Obrigado pela atenção e lembremos: #vacinaparatodosjá, pois nossa reocupação da cidade será, como sempre, de luta!
Eduardo Bruno é curador do Festival Imaginários Urbanos (2018,2020,2021), artista adisciplinar, pesquisador, mestre em artes pela ECA-USP e professor substituto no curso de Lic. Em Teatro ICA-UFC
3º Festival Imaginários Urbanos
Imaginários Urbanos: Desobediências Poéticas é a 3ª edição do Festival de Performance Urbana do Ceará. Neste ano, o evento teve a primeira edição internacional. Criado em 2018, o Festival vem se estabelecendo no cenário nacional dos festivais de performance, principalmente, pelo olhar voltado para as relações da arte com a cidade, tanto no que diz respeito à forma quanto aos diálogos que propõe. Em 2021, ainda pensando na relação das artes urbanas e a pandemia da Covid-19 o Festival propõe pensar novos rumos.
Confira as obras que compõem o evento no site: festivalimaginariosurbanos.com.br e no perfil @imaginarios_arte no Instagram.