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Nelson Rodrigues, do amor à morte
Vida & Arte

Nelson Rodrigues, do amor à morte

Desde o início da carreira como dramaturgo, romancista e contista, os temas que escreveu sempre envolviam as relações de amor e as questões da morte
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Nelson Rodrigues também foi comentarista de futebol
 (Foto: Reprodução/ Divulgação)
Foto: Reprodução/ Divulgação Nelson Rodrigues também foi comentarista de futebol

Em "A Mulher Sem Pecado" (1942), Olegário é um homem obcecado pela ideia de que sua esposa já cometeu uma traição. Acredita nisso porque ele teria a mesma utilidade que um morto: nenhuma. Na sua visão, ninguém poderia permanecer fiel a um marido de cadeira de rodas. Dois anos depois, quando escreve "Vestido de Noiva" (1943), apresenta a jovem Alaíde, que foi atropelada por um automóvel. Encontra-se presa entre dois mundos - o real e o espiritual -, e relembra seus relacionamentos com a irmã, Lúcia, e o namorado, Pedro. Em todos esses textos e nos outros 15 que produziu, há sempre uma conexão entre o amor e a morte. "Um dia, não sei quem pediu-me uma definição do meu teatro. Pensei, pensei e acabei respondendo que meu teatro, todo meu teatro, era uma meditação sobre o amor e sobre a morte. A pessoa não entendeu e quis que eu fosse mais preciso e mais prolixo. Insisti em que entendia pouco, muito pouco, de minhas peças", revela em "Notas sobre Guimarães Rosa", da coluna "As Confissões de Nelson Rodrigues", publicado pelo O POVO em 15 de setembro de 1972.

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A estrutura das narrativas era diferente, mas sempre retornava aos mesmos assuntos. "Tem um titulo que ele dava a si mesmo, que era 'Flor de obsessão'. Voltava a determinados temas, como a morte, o amor, o sexo, ter que matar ou se matar…", diz o dramaturgo Ricardo Guilherme. Para ele, Nelson era um defensor do amor verdadeiro. "Ele era um romântico, um utópico, no sentido de acreditar no amor eterno. Ele representa a luta que o homem vive para superar sua condição de humano. Ele busca um homem extra-humano, que transcenda a humanidade", reflete.

"Se me perguntarem o que sou, direi, direi, alçando a fronte: - 'Contador de histórias'. Gosto das que eu faço e das que os outros fazem. Sou uma espécie de santo dos chatos. 'Como assim?', perguntarão vocês. Porque os trato com infinita paciência. Não sei se me farei entender. Os chatos têm sempre histórias que os outros acham horrendas e que eu acho lindas. Não faço por menos: - lindas. Gosto de todas as histórias, como disse, mas ainda prefiro as de amor", relata no texto "Pequenas histórias de amor", divulgado no O POVO em 10 de outubro de 1972. "Em suas obras, ele resgata muito esse instante em que o mundo agoniza, esse limiar entre a vida e a morte, para a criação teatral dele", explica a escritora, dramaturga e pesquisadora, Priscila Gontijo, que escreveu a dissertação "Vozes dissonantes em Vestido de Noiva e Valsa Nº6 de Nelson Rodrigues e a proposta de criação de um romance dramático" (2018).

Jornalista desde a adolescência, ele se inspirava nas características expressionistas do irmão e ilustrador, Roberto Rodrigues. "Nelson era muito passional e tinha uma ligação forte com a música. E o irmão também tinha essa pintura permeada pelas tintas mais fortes, pelo expressionismo. Com essa convivência em casa, acho que ele, ainda menino, foi acendendo para sua obra", opina a pesquisadora. Segundo a autora, essa característica trágica é uma das consequências de sua vida pessoal. Em 1929, o dramaturgo presencia seu irmão ser assassinado dentro da redação do jornal. Também enfrenta um longo período internado após ser acometido por tuberculose.

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Mas o teatro não foi a única linguagem em que atuou. "Eu já fui quase tudo em jornal. De 30 a 32 (época em que eu e minha família passamos fome) poderia ter sido contínuo. E hoje estaria batendo no peito, com cínica imodéstia: - 'Sou um ex-contínuo! Sou um ex-contínuo!' Mas, se não tive nenhuma experiência de portaria, tenho todas as de redação. Vejamos: - repórter de polícia, cronista esportivo, autor de histórias infantis, crítico teatral, redator político, folhetinista, diretor de revista policial, etc., etc.", começa Nelson Rodrigues na crônica "A brotoeja da pálpebra", publicada pelo O POVO no dia 24 de janeiro de 1973.

Desde que começou a trabalhar em jornais, o autor não parou. Como contista, um de seus maiores destaques foi sua coluna "A Vida Como Ela É…", do periódico "Última Hora". Também escreveu de forma periódica os textos de "Pouco Amor Não é Amor". Essa obra extensa o consagrou na literatura e no teatro. Por isso, tornou-se um dos mais importantes teatrólogos brasileiros. Mas nenhuma dessas descrições são necessárias. Quando faleceu em 1980, já havia escrito como gostaria de ser definido em "A hediondez caça-níqueis", divulgado pelo O POVO no dia 19 de janeiro de 1972: "Se eu fosse mais importante e entrasse numa enciclopédia, gostaria que fosse assim, mais ou menos assim: - NELSON RODRIGUES - Autor brasileiro, também conhecido por flor de obsessão etc. etc."

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