Professor Raimundo, Alberto Roberto, Popó, Coalhada, Painho, Salomé, Roberval Taylor, Dr. Alfacinha, Urubulino, Coronel Limoeiro, Bento Carneiro… Ao 12 de abril de 1931, nasceu em Maranguape o criador de nada menos que 209 históricos personagens humorísticos: Francisco Anysio de Oliveira Paula Filho, o nosso Chico Anysio. Falecido no Rio de Janeiro em março de 2012, aos 80 anos, o mestre da comédia foi também redator e diretor de rádio e de TV; comentarista esportivo; locutor; ator e roteirista de cinema; cantor e compositor; pintor e escritor. Hoje, em celebração aos 90 anos do "cearense do século" — na definição do ator e diretor teatral Carri Costa —, o legado de Chico Anysio é relembrado como revolucionário nas artes nacionais.
"Indiscutivelmente, Chico Anysio é o maior humorista de todos os tempos da história da cultura brasileira", defende Carri Costa, produtor cultural e fundador do Teatro da Praia. Grande admirador de Ronald Golias, Costinha e Oscarito, Chico Anysio contou, certa feita, que entendeu ser necessário criar um estilo ao enveredar pela comédia. "Disse para mim mesmo: 'Vou ser aquele que faz vários'. E levei isso a sério, embora se tratasse de humor". A história do maranguapense com o humor começou cedo: quando Chico completou sete anos de idade, mudou-se com a mãe e três irmãos para o sudeste, numa busca da família por mais sorte no Rio de Janeiro. Em terras cariocas, o cearense chegou a estudar para se tornar advogado, mas a vocação para a arte e a necessidade de trabalhar construíram um outro destino.
Ainda muito jovem, venceu diversos concursos de programas de calouros fazendo imitações. Aos 17, Chico fez teste para para a Rádio Guanabara e foi contratado como locutor e radiador. Ficou em segundo lugar — o primeiro foi de Silvio Santos. Na televisão, brilhou em programas como "Chico Anysio Show", "Chico Total'', "Escolinha do Professor Raimundo" e "Estados Anysios de Chico City", celebrando toda a molecagem cearense em múltiplos bordões e sotaques. "Feliz, feliz, feliz, feliz… Com a sua audiência!", como diria o personagem Milton Gama. "E o salário, ó!", não é, Professor Raimundo?
"Chico conseguiu modificar um tempo, modificar conceitos, modificar interpretação em se tratando da concepção do humor, da sutileza do personagem entregue à cena cômica; tudo isso com uma integridade, com uma capacidade de caracterização de alma mesmo, com uma fortaleza gigantesca… Revolucionário é o título mais real que se pode delegar a Chico Anysio. Tem tudo a ver com aquilo que ele viveu e que ele sentiu. Ele foi fortíssimo nessa compreensão de tempo e nessa valoração de suas raízes, nessa valoração do seu entender e do seu viver", continua Carri Costa.
Para o ator e diretor, o Maranguape que pariu Chico Anysio continuou próximo ao humorista ao longo dos 63 anos de carreira. "Todos os personagens que Chico criou têm uma cearensidade muito forte. Todos, por mais que tivessem sotaques diferentes ou que fossem dedicados a outras culturas, tinham uma alma de molecagem nossa", pontua Carri. "O trabalho do Chico tem um verdadeiro entendimento dessa molecagem que é ancestral pra caramba. Quando a gente bebe de Leonardo Mota, de Quintino Cunha, de Antônio Sales e de outros que deixaram registrado um sentimento de felicidade revolucionária, contestadora e agregadora, vê que Chico Anysio é um vertedor disso: ele bebe e reverte isso, transforma. Beber isso é ter o entendimento de onde viemos, das nossas relações piadísticas, culturais, históricas, de terreiro — e tudo isso nos constrói".
Carri, que conheceu Chico nas gravações de “O Auto da Camisinha”, cresceu acompanhando o trabalho do humorista. "Os personagens do Chico estavam sempre muito próximos a mim: os mais críticos, politicamente mais fortes e contundentemente satíricos me deram esse entendimento de que, se eu queria modificar alguma coisa, poderia ser através do riso. Eu acho que pode ser muita pretensão da minha parte, mas é indiscutível como o tipo de humor que ele colocava semanalmente na televisão brasileira me ajudou a trilhar o caminho que eu quis trilhar. Eu aprendi vendo o Chico Anysio e eu tenho muito orgulho disso. Ele é meu mestre, meu professor", encerra.
Intérprete da inesquecível Meirinha na Escolinha do Professor Raimundo — programa comandado por Chico Anysio e exibido na Rede Globo entre 1990 e 1995 —, a atriz e terapeuta Karla Karenina também encontrou inspiração no maranguapense. "Chico era chamado por alguns colegas mais antigos de Senhor Francisco Anysio. Havia um respeito muito grande de todos pela figura do homem, do profissional e do mestre e, ao mesmo tempo, uma abertura pra chegar perto e começar um papo bem humorado, sem formalidades. Eu o chamava de Chico mesmo; e era chamada por ele de Karla Karenina. Chico tinha as qualidades do sábio em quase tudo e o temperamento sanguíneo dos nascidos sob o signo de áries quando provocados por alguma injustiça. Era um homem de coração altamente generoso e paternal com os pupilos dele", relembra a atriz. "Ao mesmo tempo em que nos sentíamos protegidos pela figura do pai e mestre, podíamos partilhar segredos ao amigo e fazer bagunça na sala com o colega… Como é bom lembrar dessa grande escola!".
Para Karla, enumerar o que aprendeu com Chico Anysio é tarefa impossível. "Ele reconheceu em mim qualidades que nem eu mesma tinha consciência de ter e me deu a primeira grande chance de fazer parte da maior vitrine de talentos da TV brasileira... Foi quem me olhou nos olhos e disse que eu não era só humorista, era atriz — e que isso faria muita diferença na minha carreira. Chico anteviu com sua sensibilidade e faro o que se daria comigo sem que eu tivesse a mínima idéia e maturidade para entender". A artista, atualmente diretora do Teatro São José, rememora o mantra do mestre: "Sucesso é acidente de percurso".
"Chico foi, é e será sempre meu grande mestre! Sem dúvida, é a pessoa mais importante da minha vida profissional. O legado do Chico para o humor é uma verdadeira escola de criação de personagens, sobretudo. Mas acho que a genialidade do artista Chico Anysio não é percebida no conjunto da sua obra. Chico Anysio foi o maior e mais completo artista brasileiro! Dominava diversas linguagens artísticas. Sua grandeza como personalidade artística ainda não foi reconhecida como merece. Mas continuaremos honrando seu nome e seu legado sempre", acredita Karla Karenina.