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Ao completar 90 anos, pintor Maciej Babinski fala sobre sua produção artística
Vida & Arte

Ao completar 90 anos, pintor Maciej Babinski fala sobre sua produção artística

Pintor polonês que vive na zona rural de Várzea Alegre, Maciej Babinski chega aos 90 anos: "Minha produção é melhor do que antes"
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Maciej Babinski completa 90 anos nesta terça-feira, 20 de abril (Foto: Hélio Filho)
Foto: Hélio Filho Maciej Babinski completa 90 anos nesta terça-feira, 20 de abril

O artista Maciej Babinski vive um dia por vez. O passado não lhe interessa tanto, porque quase toda sua trajetória artística já foi registrada nas páginas de jornais e em outros veículos de comunicação. E ele é incisivo sobre seu futuro: "Eu sei perfeitamente que a minha carreira artística não está nem no começo, nem no meio, mas está perto do fim. Então meu problema é conseguir aproveitar ao máximo o tempo que me resta". Ao completar 90 anos nesta terça-feira, 20 de abril, o pintor, gravador, ilustrador e desenhista está mais focado em capturar as pequenas eternidades diárias.

Ele encontra no ambiente ao seu redor a motivação para permanecer em produção ativa. O que lhe encanta são as descobertas do mundo que construiu para si mesmo e para a esposa, Lídia, há três décadas. Na sua moradia em Várzea Alegre, na região do Cariri, criou o denominado "sítio Exu". O polonês, naturalizado brasileiro em 1959 e radicado no Ceará em 1992, ainda é fascinado pela beleza do lugar. "Isso é o que sempre me motivou. É um desejo de fazer um risco, marcar, traçar uma linha, olhar o mundo e a vida. O mesmo que motivava quando cheguei no Estado é o que me motiva agora", reflete.

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Esse trabalho foi pouco impactado pela pandemia. Antes do isolamento social começar em março do ano anterior, Babinski passava por um processo natural de reclusão. Além de viver em um lar geograficamente distante, também costumava ficar em casa por causa da idade. "O isolamento não impactou minha produção artística a não ser para aumentá-la. É um paradoxo absurdo, mas é verdade", comenta. "Estou em uma cápsula de sobrevivência com minha obra, que continua se desenvolvendo normalmente."

Babinski costuma pintar as belezas que vê ao seu redor
Foto: Arquivo pessoal
Babinski costuma pintar as belezas que vê ao seu redor

Apesar de considerar que seu ritmo está lento, acredita que sua produção aumentou de qualidade. Entretanto, ressalta que, como não há críticos, é difícil avaliar a própria criação. "Minha produção está melhor do que antes, porque é mais direta. Com menos hipocrisia e mais síntese", defende. Essa melhoria em sua obra - talvez - seja o resultado de sua necessidade inerente de expressar o que tem dentro de si. "O papel da arte é trazer vida para as pessoas. A arte sempre significou vida para mim. A maior expressão da vida dentro de mim é alguma arte que eu possa eventualmente produzir", afirma.

O pintor, que mantém um relacionamento saudável com seu cotidiano, faz poucos planos acerca dos próximos passos na carreira. "O objetivo para este ano é nos preparar para dificuldades. Temos que estar atentos, porque, enquanto conversamos sobre a pandemia, significa que o mundo inteiro está mudando e já mudou. Eu não vejo a pandemia acabando tão cedo", pondera. Cita apenas uma exposição, idealizada pela Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (Secult-CE), que pode vir a acontecer em Sobral, em dezembro. "Imagina, dezembro!", exclama. "Tudo isso são projetos. E projetos não querem dizer muito. O que vai dizer é a realidade que vem daqui para frente."

As pessoas invadiram as obras de Babinski após chegar em Várzea Alegre
As pessoas invadiram as obras de Babinski após chegar em Várzea Alegre

"Não falo nem penso no passado"

Quem conhece o pintor Maciej Babinski nos dias atuais, quando ele está há 30 anos com residência fixa no interior cearense, talvez não saiba que o artista migrou por vários países e cidades durante a maior parte de sua vida.

Nascido na Polônia entre duas grandes guerras, seu país ainda não havia se recuperado do primeiro conflito quando o segundo iniciou. Por isso, em 1940, migrou com a família para a Inglaterra, onde começou a estudar arte. Depois passou por Canadá, Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e Uberlândia. Chegou no Brasil sem falar português e, por uma teimosia típica da juventude, aprendeu o que sabe com a experiência.

Durante essas andanças, construiu um legado com sua trajetória artística. Estudou com pintores como John Goodwin Lyman (1886 - 1967) e Eldon Grier (1917 - 2001); aproximou-se do grupo de vanguarda "Os Automatistas"; expôs no Museu da Belas Artes de Montreal; tornou-se um dos participantes do movimento modernista; e atuou como professor em universidades. Tudo isso sempre aprimorando sua técnica, que perpassa gravuras em preto e branco, pinturas de paisagens e cores.

Em Várzea Alegre, encontrou uma nova vida. O município era o lar de Lídia Babinski, que conhecera em Brasília. Na época, ela trabalhava em um restaurante - ponto inicial de encontro dos dois. "Lídia é cearense, tem um laço muito forte com a família. Eu fiquei curioso com isso e logo quis conhecer todo mundo. Viemos para o Ceará para fazer uma visita e resolvemos depois mudar de vez", disse em entrevista para O POVO, em 4 de novembro de 1995.

"Em Várzea Alegre, as pessoas invadiram a minha vida. Eu, um ser solitário, associal, fui assaltado por dezenas de pessoas que impuseram sua presença, sua leveza e suas vidas bem ali na minha frente, de uma forma que eu não podia mais tapar meus olhos ou dar-lhes as costas", comentou. No lugar onde foi confrontado por tanta gente e que se tornou parte fundamental de sua inspiração artística, Babinski permanece até hoje.

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