"Atenção, brothers, para o top de cinco segundos". Nesta terça-feira, 4, a Rede Globo exibe o último episódio da 21ª edição do reality show Big Brother Brasil. O histórico "Big dos Bigs" contou com 100 dias e noites de amor e de guerra entre integrantes e torcidas, na casa e nas redes sociais. Programa cativo do prime time da televisão nacional, o BBB 21 repetiu o esquema de participação adotado no ano passado: grupos "pipoca", com selecionados que se inscreveram; e "camarote", convidados pela emissora. A advogada e maquiadora Juliette Freire, única "pipoca" na final, é a grande favorita do público ao prêmio de 1,5 milhão.
O Big Brother Brasil foi repleto dos mais diversos arcos narrativos — desistência, ameaças de tortura, recordes de rejeição, exclusões, primeiro beijo entre dois homens no programa, perda de favoritismo, ascensão de participantes nas redes sociais, romances falidos, amizades consolidadas, paredão falso, cancelamento e muita, muita briga. Nas palavras do ex-participante Gilberto Nogueira, economista eliminado no último domingo, 2, "o Brasil tá lascado!": o reality evidenciou também todas as fissuras de um País profundamente machista, racista e xenofóbico.
Leia também | No Limite: Confira as curiosidades do reality show que retorna em 11 de maio
Nas primeiras semanas do programa, iniciado no último 25 de janeiro, o público acompanhou a rivalidade entre Lucas Koka Penteado e a maioria dos brothers e sisters; a aproximação entre Karol Conká, Projota e Nego Di; a formação do chamado G3 entre Gilberto Nogueira, Juliette Freire e Sarah Andrade; e a tímida aliança entre o Jardim Botânico, os participantes "plantas" que não traçaram estratégias de jogo imediatas. Confinados devido à pandemia de Covid-19, os telespectadores se envolveram avidamente com os 20 participantes observados através do espelho, onde olho e câmera se confundem.
Fazer uma retrospectiva da 21ª edição do Big Brother Brasil é tarefa ingrata: entre a desistência de Lucas Koka Penteado, a eliminação de Karol Conká com 99,17% de rejeição e os 23 milhões de seguidores conquistados por Juliette Freire no Instagram, muitas paixões e lágrimas abundaram. Neste jogo de cifras e estratégias publicitárias, a Rede Globo deu aulas — "crias", como diria o ex-integrante Arthur Picoli — de marketing digital e provou que o programa afeta o cotidiano brasileiro.
Leia também | Carlinhos Brown lança música em homenagem à Juliette, do BBB 21
"Eu cresci com o Big Brother Brasil. Tenho 30 anos e o BBB está na 21ª edição, então lembro do Kleber Bambam com a Maria Eugênia, da Tina batendo panela, das edições históricas, das festas, dos barracos…", relembra Mariana Teixeira, doutoranda em Saúde Pública. "O que eu mais gostei de acompanhar nesta edição, sem dúvidas, foi a trajetória do Gil e da Juliette, essa trajetória que se cruza e se separa em diversos momentos do programa", opina.
Para Mariana, os nordestinos Gilberto e Juliette protagonizaram o BBB 21. "Eu amei acompanhar o Gil desde o início, tendo essa personalidade complexa dele que é ex-mórmon, doutorando, gay, é muita coisa junta e entregou tudo. Pra mim, o Gil é o tipo de personagem que eu gosto de ver em reality. Ele entregou entretenimento: dançou, ficou bêbado, brigou, se arrependeu, foi líder, foi monstro, deu o primeiro beijo gay no BBB com o Lucas ao som de Ludmilla... Já a Juliette tem essa trajetória de excluída por não deixar de falar do jeito dela, então ela dá a volta por cima, conquista o público com o carisma inexplicável — o Brasil inteiro está com essa mulher. Juliette é a pessoa que chega na festa, tira o sapato, fica bêbada, tem essa identificação também que é do Nordeste. Colocar 'Me Usa' da Banda Magníficos na boca do Brasil é um feito, para mim, indispensável".
Leia também | Músicas cantadas por Juliette Freire no BBB21 repercutem nas redes sociais; confira playlist
O Nordeste de Juliette Freire, aliás, muito incomodou dentro da casa mais vigiada do Brasil. Como uma lupa sobre a sociedade, o BBB desvelou o preconceito de diversos participantes com as expressões e os comportamentos da paraibana. "Juliette é uma mulher que é fenotipicamente aceita — como diria Lumena — como branca, padrão. Mas é a nordestina que falava do jeito que eles 'não entendiam', entre aspas, porque ela não se furtou de falar com o sotaque dela, com o jeito dela. As pessoas estão preparadas para a nordestina da novela, para a nordestina arretada da televisão, mas para a nordestina de verdade, não", defende Mariana.
Com metade do elenco composto por negras e negros, as vivências raciais também pautaram o programa. O cantor Rodolffo Matthaus comparou o cabelo black power do professor João Luiz Pedrosa a uma peruca de homem das cavernas utilizada como castigo do Monstro. Confrontando ao vivo, o sertanejo repetiu o comentário racista — nas redes, o debate sobre racismo se intensificou. Advogada e professora universitária, Carolina Vasques considera a repercussão fundamental. "O debate gerado em torno da situação do João com o Rodolffo foi de extrema relevância. As pessoas precisam entender o que é racismo, que não é mimimi. Se tem uma tendência a achar que tudo está chato, mas não. É só a gente ter um olhar para o outro, tentar enxergar o outro, ver as dores do outro que a gente compreende que é muito mais profundo", explica.
Leia também | BBB 21: Gilberto diz não saber o significado da palavra "basculho"
"Eu vejo o Big Brother como um reflexo da nossa sociedade — ele é um jogo, mas é um jogo de comportamentos, onde a gente consegue tirar pequenas lições do cotidiano. Quando alguém é líder, por exemplo, a gente vê como essa pessoa se porta com o poder. Quando um programa de ampla visibilidade trata essas pautas, é muito importante para as pessoas verem que o BBB reflete a sociedade. As pessoas lá colocadas fazem parte da nossa sociedade e o jogo não faz desaparecer isso. O racismo, a homofobia, a bifobia e a xenofobia são questões estruturais que estão enraizadas na nossa sociedade e que, muitas vezes, a gente não se percebe reproduzindo determinados comportamentos. É importante a gente ver e debater", continua Carolina.
Para a advogada, outro protagonista do BBB 21 foi… O Twitter. A "rede do passarinho", que o apresentador Tiago Leifert já afirmou detestar, é um termômetro importante. "As redes sociais influenciam bastante o jogo. Basta ver a quantidade de seguidores que a Juliette tem, os mutirões, as torcidas organizadas. Mas, além do lado positivo da visibilidade, as redes influenciam negativamente. Tudo a pessoa é cancelada, qualquer má interpretação já anula todo o jogo. Neste BBB, as redes ficaram muito extremadas. O João, por exemplo, sofreu ataques de muitas fake news", relembra.
Leia também | Gil diz que torcida de Juliette a fará campeã e afirma amar Fiuk como amigo
Fãs do programa, administradores das redes sociais dos participantes, torcidas... Hoje o Brasil escolhe o vencedor desta guerra dos 100 dias: a influenciadora digital Camilla de Lucas, o cantor e ator Fiuk ou Juliette. No sábado, 8, a Rede Globo exibirá o BBB Dia 101, uma lavagem de roupa suja entre os participantes. Aos que já estão saudosos, uma boa notícia: a seleção do Big Brother Brasil 2022 já começou.
Ponto de vista
A edição de BBB 21, de início, nos parecia oferecer um complemento de significado dos discursos identitários tão bem demonstrados na anterior. Basta vermos o intervalo comercial e as escolhas de participantes. No entanto, as pautas sobre engajamento revelaram algo que deveria acompanhar sua prática: a capacidade de comunicação.
O tema da atual edição é, na verdade, sobre incomunicabilidade. A ausência de comunicação é o lugar moral preenchido naquele que se entende como já encerrado de si, pois se não é possível diálogo, a questão está resolvida em si e para si. Com isso, as torcidas — como toda torcida! -, passaram a exprimir seu caráter mais arcaico: a horda. A identidade através das torcidas se comporta no frenesi que exclui qualquer subjetividade.
Nesse sentido, gostar do Rodolffo significa, por exemplo, gostar de todo seu universo conservador, pois sua identidade é a torcida. O curioso é como Juliette, desde o início do programa, parece reunir um complexo protagonismo que quebra essa perspectiva. Ao contrário de uma afirmação positivada, a rejeição no BBB cumpre uma peça fundamental ao desenvolvimento de qualquer personagem desde o Kléber Bambam na primeiríssima edição. Todo grande protagonismo explorou a exclusão.
Juliette reivindicou esse exato inconsciente histórico, adequou ao caráter imaginário da identidade nordestina e, junto a isso, levou ao tema principal: a incomunicabilidade. No dia 20 de fevereiro, no famoso "Vota em mim todo mundo! Pronto, acabou! Podem votar. Eu tô indignado!" do Gil em uma discussão generalizada no jardim, o que mais me chamou atenção foi o grito de Juliette: "Um fala uma coisa, um entende outra e acha que tá certo! (…) Parece um monte de imbecil!". Não era sobre você, Gil.
Ela, acusada de não saber falar e em determinado momento separada de toda a casa por esse motivo, foi a única que levantou a questão babélica. Eu, você, os discursos identitários e a horda das torcidas (disso não espero) precisamos no mínimo levantar a seguinte pergunta: será que, afinal, estamos falando com o outro?
Ítalo Moura Guilherme, professor de Filosofia
Relembre as porcentagens dos eliminados do BBB21
15° eliminado: Gil, com 50,87%
14° eliminado: Arthur, com 61,34%
13° eliminada: Viih Tube, com 96,69%
12° eliminado: João Luiz, com 58,86%
11° eliminado: Caio, com com 70,22%
10ª eliminada: Thaís, com com 82,29%
9° eliminado: Rodolffo, com 50,48%
8ª eliminada: Sarah, com 76,76%
7ª eliminada: Carla Diaz, com 44,96%
6º eliminado: Projota, com 91,89%
Eliminação falsa: Carla Diaz, escolhida para ir ao Quarto Secreto com 62,40%
5º eliminada: Lumena, com 61,31%
4º eliminada: Karol Conká, com 99,17%
3º eliminado: Nego Di, com 98,76% dos votos
2º eliminado: Arcrebiano, com 64,89%
1ª eliminada: Kerline, com 83,50%
Lucas Penteado desistiu do BBB 21 no dia 7 de fevereiro
Podcast Vida&Arte
O podcast Vida&Arte é destinado a falar sobre temas de cultura. O conteúdo está disponível nas plataformas Spotify, Deezer, iTunes, Google Podcasts e Spreaker.