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Artistas lamentam fechamento do Cena 15, espaço de formação em arte
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Artistas lamentam fechamento do Cena 15, espaço de formação em arte

O Cena 15, do Porto Iracema das Artes, fecha as portas após o corte de verbas. O lugar era um espaço de formação e experimentação das narrativas audiovisuais e da dança
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A estrutura interna da casa permaneceu a mesma após a reformulação para o Cena 15
 (Foto: Gabriel Gonçalves, 11/06/2012)
Foto: Gabriel Gonçalves, 11/06/2012 A estrutura interna da casa permaneceu a mesma após a reformulação para o Cena 15

Após duas décadas de incentivo à cultura em Fortaleza, a casa localizada na rua José Avelino, 495, fecha suas portas pela segunda vez. O lugar, denominado de "Cena 15", era um espaço de formação e experimentação das mais variadas narrativas visuais. Não só: também oferecia uma sala de dança para que artistas pudessem ensaiar e compartilhar experiências. O sobrado estava há alguns anos sob responsabilidade do Porto Iracema das Artes e havia se tornado a sede de seu Centro de Narrativas Audiovisuais. Entretanto, Bete Jaguaribe, diretora da escola, anunciou na última quarta-feira, 5, que o local seria devolvido ao proprietário.

A informação foi divulgada durante a 11ª reunião ordinária do Conselho Estadual de Política Cultural do Ceará (CEPC-CE), transmitida on-line e disponível no canal do Youtube da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (Secult-CE). "No ambiente de redução orçamentária por conta da crise nacional, a gente optou por entregar o Cena 15. Não vou dizer que foi uma decisão fácil, foi uma decisão muito difícil. Como sabemos, aquele espaço tem uma importância simbólica grande", disse durante a conversa. "Ali foi onde se formou um movimento importante de cultura do Estado, em torno do 'Alpendre'. Depois assumimos a casa e, infelizmente, tivemos que fazer opções para, inclusive, potencializar os programas e as ações do Porto Iracema das Artes", acrescentou.

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Aquele sobrado na Praia de Iracema, que agora está com destino incerto, fez parte da história das artes da Capital. Em 1999, surgiu ali a organização não governamental "Alpendre - Casa da Arte" por meio da mobilização de seus fundadores Andréa Bardawil, coreógrafa e diretora da Companhia da Arte Andanças, Alexandre Veras, realizador audiovisual, e outros. "O Alpendre surgiu a partir de uma mobilização do 'videomaker' Alexandre Veras, de reunir amigos que tinham em comum o interesse na arte contemporânea, nas suas diversas linguagens. Inicialmente, a articulação dos encontros se deu num formato de grupo de estudos, no apartamento do Alexandre", recorda Andréa Bardawil.

"Meses após esse início, o Alexandre precisava de um espaço para montar uma produtora de audiovisual, e a Beatriz Furtado tinha o desejo de montar uma livraria/editora. Eles sabiam que eu também estava à procura de um espaço de ensaios para a Companhia da Arte Andanças, e então me convidaram para co-habitar o espaço com eles (um galpão na Praia de Iracema, ao lado do antigo Domínio Público)", lembra. Mas, quando os artistas chegaram, a casa estava destruída. Foi necessário um grande investimento na estrutura interna, que permaneceu o mesmo nos anos seguintes.

 
 
 
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"No começo, a rua José Avelino ainda era tranquila, de paralelepípedos. Desde o início, procuramos estabelecer um vínculo forte com a comunidade do Poço da Draga, onde realizamos muitos projetos e produções", diz. Ela recorda que o surgimento do Centro Cultural Dragão do Mar nas imediações foi uma grande expectativa, porque havia o objetivo de transformar aquela região em um bairro cultural e boêmio. "No entanto, o que testemunhamos com o tempo foi que nem governo, nem prefeitura de fato investiram nessa ideia, rendendo-se aos interesses da especulação imobiliária. A maior parte dos espaços culturais desse entorno, como o Teatro Radical, Teatro das Marias e tantos outros acabaram fechando, por falta de apoio. O Teatro da Praia, de Carri Costa, segue como resultado de uma grande resistência", comenta.

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Encontros, oficinas, debates e outras atividades eram promovidas no lugar. Foi um ambiente de formação dos novos artistas cearenses. Mas, no fim de 2012, precisou ser fechado por causa de várias dificuldades: a dependência de editais que garantissem a existência financeira do projeto, a violência nas proximidades e a falta de organização da área foram alguns dos problemas apontados na época.

Após dois anos, o Instituto Dragão do Mar devolveu a casa aos cidadãos, que passou a se chamar "Cena 15". Não era mais uma ONG, porque começou a funcionar como um local de fomento governamental das atividades culturais. O foco se tornou as narrativas audiovisuais, mas também foram estendidas para a dança. "Eu mesma, como artista e professora, segui habitando esse espaço de diversas formas, e isso sempre me trouxe muita alegria. Porque era um grande alívio ver que o que construímos ao longo de 13 anos seguia forte como espaço de formação e criação", afirma Andréa Bardawil.

"Eu acho que o fim do Cena é uma perda irreparável para a cidade, porque é um espaço que tem um histórico cultural, de atuação cultural, sobretudo em dança, desde o fim dos anos 1990", comenta Victor Hugo Portela, da Associação de Bailarinos, Coreógrafos e Professores de Dança do Ceará (Prodança). O professor e bailarino viveu muitos momentos de sua vida ali. Recorda de espetáculos, festas da Bienal Internacional de Dança do Ceará, oficinas e ensaios que participou. "Já fui espectador, aluno, professor…", diz.

Ele reivindica: "É problematico que isso tenha sido comentado apenas na reunião do conselho, que não tenha tido um aviso prévio. Isso não foi dialogado. Entendemos o corte de gastos, mas poderíamos ter pensado em outras alternativas juntos". Segundo o artista, a falta de diálogo com a sociedade civil é uma questão antiga. "Obviamente a gente consegue estabelecer o diálogo em determinados momentos. Dou o mérito à Lei Aldir Blanc, que foi trabalhada intensamente com o conselho. Mas tem outras questões que somos os últimos a saber que iremos perder."

Seu maior receio é de que a casa seja destruída. "Estamos com medo que vire um estacionamento ou uma feira. Se puxarmos o histórico, vários centros da Cidade viraram estacionamento", comenta. Essa é a mesma problemática apontada por Andréa Bardawil: "Nosso maior receio, tanto ao fechar o Alpendre quanto agora, com o fim do Cena 15, é que o espaço seja derrubado e ceda lugar a um estacionamento, por exemplo, como aconteceu com o galpão ao lado, onde funcionava o bar Domínio Público."

"Não sabemos se é possível ter uma reversão, mas é o mais sonhado. Nós reconhecemos a contenção de gastos, que teve em todas as secretarias. Mas, se pelo menos conseguíssemos realizar um projeto para garantir seu espaço cultural…", espera Victor Hugo Portela. Para Andréa Bardawil, quando um lugar como o Cena 15 fecha as portas, uma parte das várias histórias de vida que passaram pelo local também desaparecem. "Uma escola de artes carrega em si a potência de tudo que ainda está por ser criado. É pura pulsão de vida. E ainda que o espaço da Escola não se reduza ao galpão do Cena 15, muito da melhor safra da produção artística cearense passou por lá nos últimos anos. É sempre muito triste quando perdemos um espaço como esse."

 

Respostas da Secult Ceará

O POVO - Como foi tomada a decisão de entregar o Cena 15?

Diante do contexto atual, o orçamento do Estado tem se programado na priorização da Saúde e no enfrentamento à pandemia. Isso tem acarretado a necessidade de ajustes orçamentários e tivemos que adequar os contratos de gestão de acordo com os limites financeiros estabelecidos. Os recursos destinados à Escola Porto Iracema das Artes foram readequados para que os programas formativos pudessem ser garantidos em 2021.

O POVO - A redução orçamentária está acontecendo em vários âmbitos, mas houve comunicação com a sociedade civil sobre a situação?

Sim, o orçamento programado para a Rede dos Equipamentos Culturais da Secretaria da Cultura foi apresentado em reunião do Conselho Estadual de Política Cultural - CEPC. Na ocasião dessa reunião, foi informado que, numa compreensão conjunta da Secretaria da Cultura/IDM, foi decidido entregar o CENA, em decorrência dos ajustes necessários, considerando, inclusive, que as atividades presenciais estão suspensas por conta da pandemia.

O POVO - Por que o Cena 15 foi o escolhido para fechar?

A decisão foi tomada avaliando o peso do custeio de um espaço que, nesses tempos de pandemia, estava sem uso.

O POVO - Após a reabertura, onde irão acontecer as atividades que aconteciam no Cena 15?

Nos ambientes do complexo do Centro Cultural Dragão do Mar de Arte e Cultura, do Porto Dragão e da própria Escola Porto Iracema das Artes ou mesmo em outros espaços da Rede Integrada dos Equipamentos Culturais da Secretaria da Cultura, a exemplo do Theatro José de Alencar, Cineteatro São Luiz e Teatro Carlos Câmara.

O POVO - Existe algum projeto/ proposta para a tentativa de manutenção do lugar?

Sim, já estamos nos programando para retomar as atividades no Cena 15 no tempo mais breve possível e com o orçamento restabelecido.

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