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Ator cearense mapeia sua ancestralidade africana em obra audiovisual
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Ator cearense mapeia sua ancestralidade africana em obra audiovisual

O ator Danilo Castro lança documentário "África 24%" após descobrir mais detalhes sobre suas origens por meio de um teste de DNA
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Ator negro fortalece a si mesmo e aos outros a partir do conhecimento sobre sua ancestralidade (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Ator negro fortalece a si mesmo e aos outros a partir do conhecimento sobre sua ancestralidade

Com um passado até então desconhecido, um teste de DNA foi capaz de revelar a Danilo Castro a verdade sobre sua ancestralidade. O ator e jornalista descobriu que 24% de seus genes são de origem africana. Assim, surgiu "África 24%", uma obra audiovisual independente, onde ele fortalece a si mesmo e aos outros a partir do conhecimento sobre sua história. O mini documentário será lançado no dia 18 de maio, data de aniversário do ator, através do YouTube.

Fazer o teste de DNA era um desejo antigo de Danilo, mas por conta do alto custo sempre adiou o momento, até que recentemente encontrou opções mais acessíveis e decidiu fazer para descobrir suas origens. "Eu não queria fazer de qualquer jeito. Fazer, ficar sabendo e ponto final. Como eu sou um artista, eu pensei em fazer e tornar público, num sentido político, para que de alguma forma sirva de referência para outras pessoas, principalmente no Ceará onde a ancestralidade negra é negada", revela.

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Numa sociedade que ainda enfrenta o racismo, muitas pessoas sentem vergonha de se declararem negras, segundo Danilo. Por isso ele teve a ideia de transformar esse processo de autoconhecimento numa produção audiovisual para fortalecer as verdadeiras raízes que foram apagadas da história. "O Brasil é um país tão diverso, tão miscigenado, e é evidente a contribuição dos povos negros", pontua ele.

Para o artista, ser negro no Brasil exige força e comenta sobre as dificuldades que enfrenta. "É muito intenso, muito violento, porque desde pequeno você é negligenciado de várias formas e isso afeta a nossa dignidade, a nossa autoestima e inclusive gera o medo de morrer por conta dos altos índices de violência contra a população negra no País", declara.

Apesar das experiências ruins, Danilo revela que não gosta de retratar essas situações em suas obras. "Eu não quero que o racismo paute a minha vida. Eu não quero que o racismo dite o que eu devo fazer. Então, quando eu resolvo fazer essa busca pela ancestralidade, eu tento fazer uma obra de fortalecimento. Não é o racismo que me faz voltar atrás, é o desejo de me fortalecer e fortalecer outros como eu que não sabem do seu passado", explica.

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É muito comum as pessoas associarem sua ancestralidade com o sobrenome, a partir do país que ele é de origem. Mas o artista questiona qual seria o real nome que as pessoas carregariam se o passado africano não tivesse sido apagado da história. "Com o trabalho (África 24%), eu não consegui descobrir meu verdadeiro sobrenome, mas agora tenho algumas hipóteses a partir desse mapeamento genético", diz.

O teste mostrou que a ancestralidade étnica de Danilo, na África, é principalmente Bantu, dos povos que viviam entre Congo, Angola, Zâmbia e Moçambique. Além disso, ele também descobriu que tem ancestralidade indígena Tupi. "Saber os povos que compõem esses 24% de África em mim me tornam um outro Danilo", comenta.

Para gravar o mini documentário, o ator escolheu as paisagens das praias de Flecheiras e Peroba, no Ceará, e a maioria das cenas foram feitas usando apenas o celular. "A praia de Flecheiras fez parte do meu imaginário durante a infância e adolescência. Foi lá que eu aprendi a gostar da natureza, foi lá que eu tive a primeira relação mais intensa com o mar e fiz vários amigos, por conta da casa de praia que minha avó tinha na região", explica.

Danilo conta que sempre foi um menino do mar e no documentário ele traz imagens feitas em Flecheiras quando ainda era criança. Para ele, as imagens do passado retratam um menino diferente, alegre, sorridente, que foi desaparecendo ao longo da vida por conta do racismo que enfrentou. "Eu fui me tornando uma pessoa que tentava se encaixar dentro de um padrão e se fechava para qualquer possibilidade de desabrochar essa negritude que existe em mim".

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Mas hoje, ao voltar para essas imagens, ele entende que o brilho nos olhos e a alegria de menino representam sua verdadeira essência e com a produção audiovisual ele fortalece sua história. "Não sou mais o Danilo oprimido, silenciado. Pelo contrário, sou o Danilo insubmisso, com sede de luta e transformação e com vontade de que outras pessoas que passam por isso se fortaleçam a partir dessa ancestralidade", reflete.

Ele também conta que busca enfrentar o epistemicídio a partir dessa reflexão sobre sua verdadeira história. "A nossa morte (da população negra) é física, é real, o sangue derrama pelo asfalto. Mas também temos outra morte que acontece o tempo todo, que é a morte simbólica, a morte da nossa dignidade, do nosso conhecimento, do nosso passado", diz o ator.

"Esse minidoc é uma resposta a todas as pessoas que foram racistas comigo, é uma resposta a essa esquizofrenia do povo cearense que se acha branco o tempo inteiro, como se a gente não descendesse de povos africanos e indígenas, é uma resposta a esse contexto sócio-político de crise humanitária que vivemos e também uma resposta às novas formas de produção que surgiram durante a pandemia, já que os artistas agora precisam lidar com as limitações do momento", avalia.

Danilo também está iniciando sua carreira nacional. O ator parte para uma nova fase integrando o "Artífice", um coletivo de atores e atrizes brasileiros, selecionados por Ciça Castello, figura relevante na produção de elenco do audiovisual nacional, e que foram escolhidos por meio de reuniões e análise de material, concorrendo com centenas de artistas de todo o País. O intuito é fazer com que esses artistas passem a atuar em grandes produções na TV, cinema e streaming, por meio de ações que potencializam as carreiras de todos os membros.

Ciça conta que a ideia do grupo surgiu a partir da necessidade de democratizar as informações em relação a assessoria artística e planejamento de carreira, e assim abriu inscrições para oferecer atendimento gratuito a atrizes e atores negros. Agora, ela tem sua própria empresa onde dá assessoria a diversos artistas e selecionou 15 pessoas negras que fizeram parte dos encontros gratuitos para trazer mais diversidade ao grupo.

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A produtora elogia o desempenho de Danilo. "Ele é um artista no maior sentido da palavra. Ele tem um olhar muito amplo sobre a criação dele. É um artista muito delicado e apurado nas coisas que faz e que pensa. Consegue equilibrar o olhar do ser artista mas de também ser um trabalho. Ele tem um olhar muito interessante sobre a carreira dele", revela. Através do projeto, Danilo já fez leitura de roteiro para uma proposta da HBO, participou de uma reunião com Renata Kalmann, produtora de elenco que trabalha para a Netflix e fez parte de uma formação com Isabella Sechin, diretora e preparadora de elenco da Globo.

Agora, o ator está escalado para uma série nacional de época, financiada pela Ancine e prevista para sair em 2022. O menino do mar troca a praia pelo campo em preparação para seu novo personagem e já está fazendo aulas de equitação. Confiante de seu verdadeiro eu, Danilo agora está preparado para alçar voos mais altos em sua carreira.

ÁFRICA 24%

Quando: estreia terça 18, às 18 horas
Onde: bit.ly/DaniloCastroYoutube

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