No último dia 06 de maio completaram-se 165 anos de nascimento do homem que, ao lado de Copérnico e Darwin, desferiu a terceira ferida narcísica sofrida pelo saber ocidental ao desbancar a razão e afirmar que somos regidos pelo inconsciente. Filho mais velho de Amália e Jakob, o "Sig de Ouro" como sua mãe o chamava, Freud inventou a psicanálise e instaurou uma nova rota na compreensão dos nossos sofrimentos, das nossas angústias, das paixões, da arte, da cultura. Mais atual do que nunca nesses tempos de pandemia, sua lente descortinou uma angulação que chacoalhou a humanidade.
O campo teórico inaugurado por Sigmund Freud, a psicanálise, sempre andou junto da comunicação e da inclusão. O método psicanalítico surgiu na clínica de Freud e ele comunicou sobre a teoria primeiramente a seu amigo Fliess, em forma de cartas, que hoje poderiam ser os e-mails, as mensagens de whatsapp, ou mesmo, as lives. Através de seus escritos, de reuniões científicas e de conferências, o vienense comunicou suas descobertas, seus erros, suas dúvidas e seus avanços para quem os quisesse ouvir. As famosas "reuniões das quartas-feiras", onde um grupo de homens, a convite do próprio Freud, se reunia em sua casa durante a noite para o diálogo acerca de sua invenção, podem ser traduzidas como fazendo parte da arqueologia da teoria psicanalítica que, por sua vez, sinalizam que o austríaco estava à frente de seu tempo. Esse grupo pioneiro era formado por educadores e intelectuais da época, por um músico e diversos escritores, o que nos aponta a preocupação de Freud com a transmissão da psicanálise, assim como sua vocação para o diálogo e a inclusão.
Das teorias psicológicas é inegável que a psicanálise é a mais lembrada no dia-a-dia. O "Freud explica" que o diga. Apesar de sabermos que Freud não explica! Como diz Guttfreind, "a sua técnica cheia de arte apenas propõe um embate para os mais corajosos, ou seja, aqueles que conseguem a façanha de encontrar o outro, olhar para dentro de si e conviver com o deserto em que se pode pensar sobre tudo sem muito explicar".
Com a pandemia (e o pandemônio) a invenção freudiana foi e continua a ser conclamada diuturnamente para pensar a cena planetária e o real da morte que nos assombra. São lives, vídeos, entrevistas, podcasts, livros e artigos em que psicanalistas falam desse campo conceitual, de suas experiências na clínica e dos atendimentos on-line e da compreensão acerca das metamorfoses no mundo social, político e econômico.
Aprendemos com o senhor Sigmund que viver não é tarefa fácil e que não há nenhuma solução mágica que nos livre da dor de existir. Aprendemos também que tentamos de todas as formas driblar o sofrimento fazendo uso das drogas, dos comprimidos, do consumo desenfreado, da atitude religiosa, mas essas estratégias se mostram infrutíferas e falhas. Devemos a ele um dispositivo conceitual, metodológico, técnico e fundamentalmente ético que atribui ao sujeito um saber a respeito de si mesmo que através da linguagem, do discurso, possibilita deixarmos de sofrer loucamente para sofrer saudavelmente.
Como nos diz Mezan, "a revolução freudiana é uma revolução em nome da verdade em nome do direito à palavra, que escandalizou Viena e seus contemporâneos, que chegaram a considerá-lo uma mente doentia. Freud foi um Iluminista que trouxe para a claridade da ciência os processos mais obscuros da alma". Em uma de suas cartas ao discípulo Pfister, em 1910, Freud disse: "Essas coisas psicanalíticas só são compreensíveis se forem relativamente completas e detalhadas, exatamente como a própria análise só funciona se o paciente descer das abstrações substitutivas até os ínfimos detalhes. Disso resulta que a discrição é incompatível com uma boa exposição sobre a psicanálise. É preciso ser sem escrúpulos, expor-se, arriscar-se, trair-se, comportar-se como o artista que compra tinta com o dinheiro da casa e queima os móveis para que o modelo não sinta frio. Sem alguma dessas ações criminosas, não se pode fazer nada direito".
Em uma Aula Aberta realizada no último dia 06/05/2021 na qual os alunos do curso de Psicologia da UNIFOR foram convocados a dizer o que dariam de presente ao aniversariante, a constatação de que a psicanálise foi e sempre será resistência, no sentido da luta pela verdade, foi a tradução mais tocante dos agradecimentos endereçados ao nosso querido Freud.
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