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Literatura brasileira: Joca Terron lança ficção sobre um mundo em coma
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Literatura brasileira: Joca Terron lança ficção sobre um mundo em coma

Novo romance do escritor cuiabano Joca Reiners Terron publicado pela editora Todavia, ficção "O Riso dos Ratos" (2021) expõe fissuras de um presente que se esfacela
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O escritor cuibano Joca Reiners Terron estreou na ficção com "Não há nada lá" (2001) e publicou, entre outros livros, os romances Do dundo(Prêmio Machado de Assis da Fundação Biblioteca Nacional, 2010), A tristeza extraordinária do leopardo-das-neves (2013) e Noite dentro da noite (2017).  (Foto: Renato Parada/ Divulgação)
Foto: Renato Parada/ Divulgação O escritor cuibano Joca Reiners Terron estreou na ficção com "Não há nada lá" (2001) e publicou, entre outros livros, os romances Do dundo(Prêmio Machado de Assis da Fundação Biblioteca Nacional, 2010), A tristeza extraordinária do leopardo-das-neves (2013) e Noite dentro da noite (2017).

"(...) Sua própria morte se resumiu à importância de um gatilho ou de uma desculpa: existia apenas para disparar algo mais essencial, algo que daria fim ao seu sofrimento, ainda que temporariamente. Sabia que em poucos meses não sentiria mais nada, nem amor, nem vergonha, nem ódio". Na terra arrasada de um país sem nome e sem esperança, um homem diagnosticado com uma doença fatal promete vingar a filha de uma violência sofrida dentro da noite insone. Entre sacos de lixo na sarjeta e ratos que parecem zombar de qualquer crença no amanhã, o novo livro do escritor cuiabano Joca Reiners Terron desenha um presente em coma.

"O Riso dos Ratos" (2021), publicado pela editora Todavia, é uma epopeia ao avesso, uma embarcação à deriva que indica: para frente, o pior. Numa escrita íntima, o autor de obras como "A morte e o meteoro" (2019), "Noite dentro da noite" (2017) e "A tristeza extraordinária do leopardo-das-neves" (2013) entrelaça realidade e ficção no novo romance. Neste mundo em colapso, Joca Reiners Terron habita as fronteiras da criação.

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O POVO: "O Riso dos Ratos" tateia um presente que anda para trás: o protagonista, perturbado pela violência que a filha sofreu e vivo tão somente pelo desejo da vingança, passa a habitar um mercado, um quilombo, uma plantação e o porão de um navio. A metáfora desse País que regride atravessa o Brasil de 2020 e 2021 — a pandemia, o negacionismo, o anticientificismo… Como foi o processo de criação da obra nesse cenário nacional, Joca? Essa realidade incerta e conturbada se impõe na ficção?

Joca Reiners Terron: Como toda obra de ficção, o romance pondera a respeito de uma pergunta: e se? No caso, e se um homem estiver tão obcecado por um problema de ordem íntima, a violência a que você se refere, a ponto de não perceber que o mundo ao seu redor desmoronou? O que aconteceria? Evidentemente, a resposta possível é o desencadear dos fatos que acometem esse pai, uma vítima dos preceitos masculinistas ultrapassados e violentos que ainda determinam ações da maioria dos homens. Vivemos cercados por narrativas de ficção, desde a publicidade até a política, das redes sociais aos preconceitos que obstruem nossos horizontes. Diante desse fato, a atual missão de um escritor de ficção como eu é dizer a verdade, é inventar a realidade.

OP: Como essa iminência da morte, que apresenta ao protagonista o presente como ponto final da trajetória, altera a relação do sujeito com o entorno?

Joca: Todos nós vivemos na expectativa de que em nosso instante final vai passar um filminho diante de nossos olhos, o filme de nossa vida, algo que dará sentido ao todo, amarrando episódios que de outro modo pareceriam soltos, caóticos. Não sabemos se isso acontece, já que ninguém voltou para contar o que acontece depois do fim do filme. De fato, ninguém quer morrer sem concluir o que vinha fazendo, e essa é outra ilusão. O protagonista do romance se apega à vingança como uma ideia porque é a única possibilidade que lhe resta, é o que o mantém vivo. 

OP: O flerte com um futuro apocalíptico e pós-apocalíptico perpassa outras obras suas. Em "A Morte e o Meteoro", por exemplo, a Amazônia é completamente destruída pelo homem branco, o "grande mal". O líder indígena e escritor Ailton Krenak, no entanto, recorda que seu povo há mais de 500 anos resiste a um mundo em colapso. Quem já experimentou esse fim do mundo, Joca? No contexto urbano, quem vivencia o mundo que já se acabou?

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Joca: Na verdade não chego a determinar no meu romance anterior ou mesmo neste se a história se passa no futuro. No anterior, temos uma missão espacial chinesa rumo a Marte, o que talvez seja um indicativo, já que viagens tripuladas para Marte ainda são impossíveis. Em "O riso dos ratos" não há nem mesmo menção se a história se passa no Brasil, já que nenhum lugar ou personagem tem nome, exceto por um supermercado chamado Futurama, o que é irônico. As cidades começam a morrer pelo seu centro, em geral, veja só o centro de Fortaleza ou o de São Paulo, são lugares abandonados pelo poder, que migrou para outras regiões da cidade, levado pela especulação. Quem vive nesses lugares, mendigos, sem tetos, pessoas marginalizadas, são habitantes de um mundo que já acabou. Quando vemos um homem passar com seu carrinho de supermercado cheio de tralhas, esse é o habitante de um mundo extinto. Nós, que os vemos das janelas de nossos carros, teremos nosso próprio apocalipse, que talvez nos aguarde na próxima esquina. As pessoas não percebem que se o mundo acaba para um, acaba para todos.

OP:Nesse ínterim, qual é o seu interesse nessas escritas sobre um não-futuro? Qual é a importância da literatura no registro do presente que se esfacela?

Joca: Não tenho um interesse específico pelo assunto, mas o assunto se impõe a qualquer pessoa de hoje em dia que tenha dois neurônios. Na última década o futuro como ideia deixou de existir, na medida em que não questionamos seriamente o aquecimento global, políticas ambientais, e não só, a própria democracia vem sendo extinta, ou as instituições que caracterizam o Estado republicano. Novas narrativas acerca do futuro precisam ser inventadas, para a ideia mesma de futuro voltar a vigorar. Por ora, o que temos é a iminência das catástrofes, no plural, pois são múltiplas, estão em todos os lugares. A literatura tem, no máximo, um papel recordatório, de alerta. A ficção científica desde sua origem cumpriu um papel de norte moral, Jules Verne era um moralista.

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OP: Por fim, o protagonista da obra está "aprisionado ao torvelinho do presente". Em sua leitura, há mundo por vir?

Joca: Adulterando a frase célebre de Kafka, sim, existe esperança, esperança infinita. Mas não para nós, brasileiros. É claro, porém, que ainda estamos em tempo de mudar de ideia, o primeiro passo é tirar do poder essa corja que ocupa o Palácio do Planalto. Mas para isso precisamos nos libertar deste presente que nos congela, pois corremos o risco de retrocedermos ao passado e à barbárie.

O Riso dos Ratos, de Joca Reiners Terron: um romance atordoante por um dos grandes nomes da literatura brasileira contemporânea.
O Riso dos Ratos, de Joca Reiners Terron: um romance atordoante por um dos grandes nomes da literatura brasileira contemporânea.

O Riso dos Ratos, Joca Reiners Terron

Gênero: ficção brasileira
Ano de lançamento: 2021
Número de páginas: 208
Editora: Todavia (todavialivros.com.br)
Quanto: R$ 62,90 (físico); R$ 39,90 (e-book)

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