Enquanto o presente e o futuro ainda são incertos, revisitar o passado pode rememorar sensações por hora distantes. Revirar os baús de memórias e rever álbuns de fotografia aproxima histórias findadas, entes apartados, momentos sobreviventes no imaginário em meio ao digital. "As pessoas buscam reviver e preservar os seus sentimentos guardados nas imagens", ressalta o fotógrafo Tomaz Maranhão, 24.
Ao resgatar arquivos familiares, Tomaz percebeu que o tempo danificou alguns registros. A solução, então, foi estudar a restauração fotográfica digital e aplicar nos documentos. "A fotografia não registra somente momentos, ela guarda e preserva também sentimentos e afetos. Restaurar fotografias é restaurar a memória visual da afetividade", destaca.
A prática de reparação começa com o escaneamento de imagem, seguido pelo uso de recursos em softwares de edição e tratamento para realizar o ajuste de cores e remoção de manchas, por exemplo. A técnica se tornou trabalho e hoje ele também realiza produções por encomendas. "A importância da restauração delas fica mais visível quando entendemos a importância da fotografia nas nossas vidas", exemplifica.
Em 2020, a relação com a arte ganhou novas proporções após Tomaz reencontrar o irmão gêmeo, Gabriel Ferreira - que também é fotógrafo - , após mais de 20 anos separados. "Percebemos que a fotografia fazia parte do nosso ser, uma forma de nos comunicar e nos manter conectados mesmo sem nos conhecer", relata. A partir deste encontro, ele confirmou a importância dos retratos na sua vida e repassa os aprendizados para que outras pessoas também possam se descobrir com o auxílio de narrativas arquivadas.
Relatos e lembranças
Foi por meio dos registros fotográficos que o jornalista Faruk Segundo, 24, pôde observar a vida da avó, Maria Rocidélia, em contextos distintos daqueles vislumbrados na posição de neto. No trabalho de conclusão de curso na Universidade Federal do Ceará (UFC), Faruk desenvolveu o projeto "Eu Me Lembro, Por Nós Dois" (2021), uma exposição virtual para resgatar as vivências da matriarca, portadora da Doença de Alzheimer.
"Eu tentei buscar as memórias que a minha avó já não era mais capaz de lembrar através de entrevistas com os filhos dela e com as fotos", conta. A galeria é dividida em três partes; a primeira remete às lembranças dos filhos; a segunda fala sobre o relacionamento com o marido, Raimundo Gomes; e uma terceira é destinada às decorrências pós-diagnóstico.
As fotografias, presentes na vida de Maria desde os álbuns, quadros, retratos, e colagens, continuam ganhando novas interpretações e significados com o passar do tempo. Com a reprodução dos depoimentos familiares, o jornalista realizou intervenções artísticas nos arquivos para "eternizar falas, lembranças que se relacionavam com a pessoa que minha vó é (e era)".
O formato, esclarece Faruk, foi desenvolvido para que as fotos funcionassem como "uma metáfora para as memórias que ela perdeu". A expectativa é que a mesma sensação possa ser sentida por quem entra em contato com o trabalho.
Resgate de histórias
Ao revisitar uma Fortaleza antiga, por volta dos anos 1950, destaca-se a lembrança dos retratos pintados na maioria das casas da Capital. "Em todas as paredes de Fortaleza você via a fotopintura como valor de família, ali estava o casal, o filho, era referência", recorda o fotógrafo e fotopintor Júlio Santos, o Mestre Júlio. Estas peças fazem parte do seu cotidiano desde os 12 anos, quando renunciou a vida no mosteiro para investir no estúdio de fotopintura ao lado do pai, o artesão Francisco Antônio dos Santos.
"Foi o meu momento de maior felicidade. Eu resolvi que não seria monge, mas seria monge da fotopintura", conta. Ele passou a dedicar o seu tempo à arte híbrida que reúne fotografia e pintura. "Eu achava muito interessante, eu estaria me tatuando na parede das pessoas a partir daquele momento", explica. Durante os mais de 60 anos de trabalho, Júlio explorou "todas as técnicas que possa imaginar". Trabalhou com revelação, reprodução, contorno, afinação; utilizou pigmentos secos, líquidos e óleos; criou e retocou imagens de pessoas de todas as classes sociais e faixas etárias.
"Você imagina ser o responsável por resgatar história, fazer com que as pessoas revejam os seus pais. Você passa a ser um responsável pela ressuscitação, você tem poderes sobre a vida. Resgatar um original com 40, 50, 60 anos, que está guardado e que a família não tem mais aquela referência, é como se fosse a reencarnação", manifesta. O artista se define como um imã para o que acontece na fotografia, fotorestauração e pintura: "tudo termina rodando e vindo bater aqui".
Com a paixão e dedicação de um mestre, Júlio é um dos maiores nomes da história da fotopintura no País. Suas obras já passaram pela Pinacoteca de São Paulo com a mostra "Interior Profundo" e também já chegaram aos Estados Unidos e a Bruxelas, na Bélgica. "A fotografia para mim é a arte mais importante do mundo, a maior descoberta da humanidade. Você consegue viver no passado, presente e futuro. Você consegue fotografar um feto e acompanhá-lo durante o resto da vida", narra.
O artista de 76 anos continua trabalhando diariamente - desde o início da manhã - no Áureo Studio, em Fortaleza, e precisaria de "pelo menos 10 pessoas" para dar conta da demanda profissional. Agora, o cavalete é substituído pelo monitor do computador, por onde manuseia os arquivos digitalmente. "Todos nós somos obrigados a não perder a nossa referência da técnica, a tecnologia a gente é obrigado a seguir. O Photoshop nada mais é do que o neto de uma fotopintura antiga", explica.
E para que não haja dúvida: não foi Júlio quem se apaixonou pela fotopintura, ela se apaixonou por ele. "Ela me deu tudo, prazer, alegria, amor, carinho. Não digo que me deu o que sobreviver porque eu teria sobrevivido de qualquer outra coisa, isso ela me deu por acréscimo. Tudo o que eu faço é apenas uma retribuição do que ela me deu", declara.
Restauração de fotos em Fortaleza
Tomaz Maranhão
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Áureo Studio
Mais informações: aureostudio@gmail.com ou pelo número (85) 98756-3156