A história do teatro cearense certamente é marcada por trabalhos desenvolvidos pelo Curso Princípios Básicos de Teatro (CPBT) e pelo Theatro José de Alencar (TJA). O primeiro é mais novo, sim, e chega aos 30 anos em 2021. Já o segundo é referência há 111 anos, e completa esta idade nesta quinta-feira, 17. Independentemente da faixa etária, hoje será promovida uma programação virtual para celebrar a importância dessas trajetórias.
As primeiras atividades do curso surgiram em um “contexto favorável” à experiência pedagógica e artística relacionadas ao universo teatral para iniciantes. Liderado pelos atores Joca Andrade e Paulo Ess, esse movimento começou com oficinas ministradas por eles anos antes. Com a reabertura do TJA em 1991 após restauro, eis a oportunidade de proporcionar um conteúdo mais extenso e aprofundado aos interessados.
Saem as oficinas e entra o Curso Princípios Básicos de Teatro, com carga horária extensa e possibilidade de abordar outros conteúdos. Nada, porém, foi “de uma hora para outra”. “O CPBT foi resultado de experiências e experimentos, principalmente no início meus e do Paulo, na tentativa de oferecer dentro do teatro um curso para principiantes. Assim, ao longo do tempo, com a passagem de outros diretores e com a nossa própria experiência, fomos consolidando o que conhecemos hoje do curso”, afirma Joca Andrade.
Hoje, o CPBT conta com quatro módulos e carga horária de 365h/aula ministrados ao longo de um ano. O curso busca socializar conhecimentos introdutórios da prática e teoria teatral. São ofertadas 100 vagas nos turnos manhã, tarde e noite e os interessados devem ter acima de 15 anos de idade. Os alunos se deparam com apostilas e sugestões de livros “elementares”.
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Para Joca, o curso vem adaptando sua metodologia ao longo do tempo, e isso não seria diferente durante a pandemia. Ele relata que no início de 2020 estava ocorrendo a Mostra CBPT, em que são apresentados espetáculos feitos pelas turmas do curso. Devido à pandemia, porém, precisou ser interrompida. Para além da realização da mostra, a turma de 2020 já estava sob a rotina de aulas, que precisaram ser suspendidas.
Os professores do curso - Juliana Veras, Joca Andrade e Neidinha Castelo Branco - aplicaram questionários para os alunos para saberem se seria possível adaptar as aulas virtualmente. No início, todos toparam, mas depois de um tempo foi constatado um “esgotamento mental” dos estudantes devido às adversidades da pandemia.
As aulas retornaram no fim do ano passado e, atualmente, as turmas estão no terceiro módulo de forma on-line. “Tem sido interessante, de certo modo, porque o CPBT é também um lugar de experimento, de laboratório. Sempre foi e sempre será. Então, ao mesmo tempo que foi um desafio para os alunos, professores e coordenadores, foi posta a vontade de enfrentá-lo para tentar inventar um jeito de fazer o que queríamos fazer, que era estudar teatro”, alega Joca.
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Em meio às adversidades, Joca destaca: “O CPBT é resistência. Ele sempre resistiu. A sua existência se deve à resistência dos funcionários do teatro, dos diretores, de todos que colaboraram com o curso e foram apoiadores da causa”. Para comemorar os 30 anos do CPBT, até dezembro, em todos os dias 17, serão exibidos vídeos produzidos pelos alunos como resultados das atividades on-line.
O futuro se apresenta de diversas formas para o CPBT. Entre os desejos dos seus organizadores, estão os de assegurar financiamento para manutenção e ampliação das atividades, compartilhar experiência pedagógica e artística com equipamentos culturais do Interior do Ceará e oficializá-lo como política pública na área da educação e da cultura.
Até 2019, foram realizadas 65 montagens pelo curso, com 1.287 educandos concludentes. Uma das ex-alunas é a atriz, diretora e hoje professora Juliana Veras, concludente em 2006 e que desde 2009 leciona no curso. “O CPBT me ensinou o encontro com o sentido da vida. O que vivemos ali não sairá de mim nunca, nem que a memória se esvaia, pois já multipliquei e chego com minha arte em muitas pessoas”, considera Juliana.
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Para ministrar aulas virtualmente, ela tem se deparado com recursos limitados. “Não há como fazer, por exemplo, um treinamento energético com a acuidade da presença física. Mas há como sugerir caminhos e dialogar para descobertas em conjunto”, destaca. Por outro lado, enxerga o uso da tecnologia como uma tendência em tempos futuros.
Ela ressalta como o curso fala com a sociedade sobre “afeto e questões importantes e urgentes”, e cita o espetáculo “Co.VIL”, estreado em 2019. A “escola” CPBT ensina “a pensar, sentir, filtrar e produzir o mundo”, em sua visão. Trinta anos, então, são muito representativos:
“Trinta anos significam mais que a concretização de um desejo. No caso do CPBT, significam a imortalidade de um caminho. São muitos os nossos ex-alunos que trabalham inclusive com várias linguagens cênicas que não apenas o teatro. Mas todos nos chegam com um forte depoimento desse CPBT ninho de muitas transformações e potência”.
Para Lourdes Martins, aluna da turma tarde em 2019, a potência do curso realmente lhe atinge, e alega que se “segurou nas lembranças boas do CPBT” para manter sua mente “saudável” durante a pandemia. Já demonstrava desejo em fazer teatro antes desse ingresso e, a partir dos relatos de uma professora de português, conheceu o curso.
Desde o primeiro dia sentiu que “aquele era o seu lugar”, e foi lá que teve a certeza de que desejava seguir o caminho do teatro em sua vida. “O CPBT foi o portal mágico que se abriu para mim”, comenta. Desde que ocorreu sua última apresentação, quis continuar acompanhando os trabalhos do curso. O sentimento de gratidão se destaca em Lourdes.
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“O CPBT é um curso que merece ficar vivo. Ele é pulsante. Tenho certeza que, assim como eu, várias outras pessoas que passaram por lá têm essa sensação, e espero que várias outras venham a ter. O teatro deve ser um espaço acessível e valorizado”, define.
A programação virtual se inicia às 18 horas com o comando do ator, dramaturgo e diretor teatral Ricardo Guilherme. A aula-espetáculo “Pois Zé” celebra e entende o teatro como um espaço público, “ao qual o povo, independentemente de suas condições sociais, deve ter acesso”.
“A expectativa é de que possamos compreender que o teatro precisa se abrir mais e mais. A visão de que ele não é o lugar de apenas um setor e um segmento da sociedade e que, no seu compromisso ético, deve servir às comunidades e atravessar as classes sociais. É um direito da cultura”, ressalta.
A apresentação será sucedida por um encontro conduzido por Juliana Veras. Na ocasião, haverá falas de acolhida de Joca Andrade e Neidinha Castelo Branco, além da exibição de vídeos de Paulo Ess e Oswald Barroso. Os 30 anos do CPBT serão saudados ainda pela exibição de produções de alunos atuais do curso e por artistas locais ex-alunos.
CPBT em números
30 anos de atividades
9.000 educandos que vivenciaram parcialmente o curso em seus módulos curriculares
1.287 educandos concludentes.
65 montagens
30 anos CPBT + 111 anos TJA
Quando: nesta quinta-feira, 17, às 18 horas
Onde: Theatro José de Alencar no YouTube
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