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Profissionais refletem sobre o futuro incerto do mercado cinematográfico
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Profissionais refletem sobre o futuro incerto do mercado cinematográfico

Profissionais do mercado cinematográfico analisam as projeções da área a partir de políticas públicas
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O cineasta Max Eluard participou da produção do filme
Foto: Divulgação O cineasta Max Eluard participou da produção do filme "Vil, má" (2020).

Era setembro de 2019 quando o presidente Jair Bolsonaro apresentava um projeto de lei para cortar em 43% o orçamento do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) da Agência Nacional do Cinema (Ancine). A atitude se tornou emblemática de uma série de medidas contrárias ao setor cinematográfico brasileiro, a exemplo do impasse na gestão da Cinemateca e dos ataques institucionalizados à classe artística. "Para quem trabalha com cinema atualmente, a gente está vivendo um período catastrófico", analisa a produtora executiva Caroline Louise.

A profissional iniciou no meio audiovisual há 10 anos através do coletivo cearense Alumbramento. Ela explica que, atualmente, os profissionais da área obtêm recursos financeiros de iniciativas privadas e editais de anos anteriores. "A política de editais era muito interessante, porque ela conseguia ir em todas as cadeias de produção", acrescenta. Sem o aporte financeiro dos certames, a ação do audiovisual brasileiro perde potência em números de produção, entrada em festivais internacionais e, consequentemente, na geração de empregos. "Num longa-metragem a gente consegue abarcar muitos setores, desde o alimentício até os técnicos autônomos", afirma.

Este cenário cresce após um período "especial de produção de quantidade e qualidade" no mercado cinematográfico brasileiro, por volta de 2010. Neste ano, Max Eluard, produtor, professor e diretor da TV Unifor, decidiu investir na sua própria produtora, a Avoa Filmes. "Nesta época, nós voltamos a ter um reconhecimento internacional das produções em todos os níveis. Era um projeto para o audiovisual que ia se aprimorando na execução, mas que foi abruptamente interrompido", aponta.

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Max aponta o início da descontinuação ainda no governo de Michel Temer (2016 - 2018), e indica que é acentuada desde 2019. "Não é uma tese minha, está nas palavras do presidente, dos ministros, é um discurso do governo de ver a cultura como inimiga", diz. Com participação ativa na Universidade de Fortaleza em paralelo ao trabalho como produtor, ele também enxerga um movimento fortalecedor da classe por meio de medidas emergenciais, como a Lei Aldir Blanc, e dos serviços de streaming. "Apesar da escassez de recursos federais, você tem um cenário de produções de obras seriadas muito pujante no Brasil, como a Amazon, Netflix e Globoplay. A gente tem que procurar formas de resistir", argumenta.

"Três Verões" (2019) é dirigido por Sandra Kogut.
"Três Verões" (2019) é dirigido por Sandra Kogut. (Foto: Divulgação)



Foi por meio dessas plataformas que a diretora carioca Sandra Kogut conseguiu prosseguir com a apresentação do seu último filme, "Três Verões" (2019), lançado no início da pandemia. "Eu acho que 'Três Verões' vai ser caso de estudo desse período, eu fui atravessando a pandemia vendo a trajetória do filme", avalia. A obra está disponível no cinema de outros países e segue no streaming no Brasil.

Este é apenas mais um momento de adaptação da cineasta que foi principiante no mercado em meio a crises econômicas e experienciou o que políticas públicas eficientes são capazes de promover. "A gente viu o cinema brasileiro se tornar muito diverso, rico, muito bem sucedido. Filmes brasileiros nos maiores festivais do mundo, sendo aclamados. Não é fácil você desmontar tudo isso, mas está existindo um desmonte terrível para algo que funcionava bem artisticamente e economicamente", lamenta.

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A projeção da área é a paralisação de um modelo sustentável crescente. "O Brasil tinha uma estrutura de apoio do Estado e ao mesmo tempo um espaço no mercado, isso está paralisado", relata. Para reverter essa situação, o primeiro passo seria "parar de fazer guerra ao cinema" e incentivar o fomento à cultura. "O apoio ao cinema não é só fazer filmes, é preservar os filmes que existem, é um processo que vem desde a educação básica. O cinema não vai acabar, as pessoas vão continuar arrumando um jeito, porque não dá para não fazer", afirma.

É por este caminho de ciclicidade que a arte é vivenciada pelo pesquisador e diretor paraense Fábio Limah, ex-aluno da Escola de Cinema Darcy Ribeiro, no Rio de Janeiro. Com formação em artes cênicas, o artista enxerga um cenário de ataque na área cinematográfica. "Temos um ator (o secretário Mario Frias) à frente daquilo estrondoso que seria algo relacionado a uma Secretaria de Cultura, onde nós temos milhões de projetos parados, porque temos que seguir critérios deturpados das pessoas que estão no governo", ressalta.

Entretanto, Fábio aponta acreditar que, mesmo com as tentativas ininterruptas de desgaste, a arte se reinventará mais uma vez com a resistência da classe que continua lutando por políticas públicas melhores e mais inclusivas. "Eu acredito que a arte resiste. Nesse movimento de desmonte que estamos, vamos encontrando formas de continuar existindo. Eu acredito que a gente vai voltar a esse ciclo de reconstrução, a gente vai se reestruturar em um ciclo que vai ser muito tortuoso, mas acredito que a gente conseguirá", estima.

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O Vida&Arte procurou a Secretaria Especial da Cultura e a Agência Nacional de Cinema (Ancine) via e-mail ao longo desta semana, mas não obteve resposta até a publicação desta matéria.

Indicações Vida&Arte

Em homenagem ao Dia do Cinema Brasileiro, celebrado hoje, 19, o Vida&Arte fez uma seleção de filmes nacionais disponíveis para o público.

"Cabeça de Nêgo" (2020), filme de Déo Cardoso, é a indicação da produtora Caroline Louise. A obra explora temas como discriminação racial e de classe no Brasil.

"Fôlego" (2018) é uma das produções de Max Eluard em parceria com o diretor Renato Sircilli. O documentário percorre as transições presentes na perda de um ente.

"Campo Grande" (2015), segundo longa de ficção de Sandra Kogut, reflete os contrastes urbanos e sociais do Rio de Janeiro.

"Ventre" (2018), de Fábio Limah, retrata a maternidade compulsória imposta para as mulheres.

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