Mensurar seis décadas em um espaço limitado é um desafio para tanta história, ainda mais se for para falar de visões distintas que, juntas, construíram um marco: a ideia de um museu de arte em uma Universidade Federal, no Ceará, num contexto onde isso parecia impossível e, ao mesmo tempo, inevitável. Gestado por espíritos colaborativos e trocas atentas, o Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará (Mauc) foi oficialmente instalado a 25 de junho de 1961 e aberto para atividades a 18 de julho do mesmo ano.
Àquela altura, a própria Universidade era ainda fresca, criada por lei em 16 de dezembro de 1954 e instalada de maneira oficial em 25 de junho de 1955. Onze anos antes, se criava em Fortaleza a Sociedade Cearense de Artes Plásticas (SCAP), a partir do ainda anterior Centro Cultural de Belas Artes (CCBA). Ambos foram celeiros de talentos como Antônio Bandeira (1922-1967), Heloísa Juaçaba (1926-2013), Nice Firmeza (1921-2013) e Estrigas (1918-2014), para citar poucos. Apesar de ter encerrado as atividades em 1958, a SCAP foi crucial para a concretização do Mauc, bem como a relação dos artistas com o primeiro reitor da UFC, Antônio Martins Filho (1904-2002).
"O Museu de Arte da UFC nasce de uma paixão pelo universo das manifestações artísticas. Nasce também do encantamento com os museus europeus, notadamente da Espanha e da França, e pela sensação que (o reitor) passou a sentir aqui de ausência de espaços culturais daquela natureza", aponta o professor Pedro Eymar, diretor do Mauc entre 1987 e 2018. No final dos anos 1950, então, iniciou-se um "movimento pró-fundação" do museu.
"Martins Filho aposta nessa demanda, que é dos artistas e anterior à Universidade. Ele era ligado a esse circuito cultural, aos literários, e vai ser um grande articulador do modelo colaborativo", desenvolve Carolina Ruoso, historiadora de arte e professora da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). "O museu nasce no contexto de pensar que o desenvolvimento também passa por investimento nas áreas da cultura", avança a pesquisadora.
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Uma testemunha do período é o artista cearense José Tarcísio. Aos recém-completos 80 anos de vida, o pintor e gravador lembra que, no início de sua jornada artística, "acontecia um boom cultural em Fortaleza" com os primeiros anos da UFC, a abertura do Museu e a inauguração da Concha Acústica.
À época do início do Mauc, ele visitou uma das exposições que marcou os primeiros passos da instituição, "Bandeira", que trazia recorte da produção de pinturas do artista cearense. "Sacudiu a Cidade. Antônio Bandeira era a grande estrela esperada. Foi um acontecimento muito forte", lembra.
Desenvolveram-se a partir dali inúmeras das características fortes da instituição, como o espírito colaborativo - visível nos processos de construção dele e seu acervo - e o acolhimento de diversidades - comprovável quando se vê que, nos primeiros anos de exposições, se sucederam mostras de arte sacra brasileira e europeia, de nomes como Dürer (1471-1528) e Descartes Gadelha (1943), de rendas de bilro e gravuras japonesas.
A partir dos anos 1980, é possível denotar que o Mauc chega em outro contexto histórico, em especial com a chegada, em 1987, do professor de Arquitetura da UFC e artista Pedro Eymar Barbosa Costa à direção do equipamento. Enquanto gestor, ele enfrentou desafios iniciais e, assim, conseguiu reforçar o museu enquanto espaço de cultura na Cidade. Em análise publicada no V&A em 1991, o professor Gilmar de Carvalho (1949-2021) comemorava: "A fase de inserção desse espaço público na vida da cidade (...) deu ao MAUC um novo alento".
No decorrer da década, o museu e o gestor, porém, tiveram que seguir em meio a novos desafios. "Precisamos lembrar que o Mauc se segurou no período da ditadura civil-militar (1964-1985) e, depois, em um grande período onde os projetos políticos não eram os de fortalecer as instituições públicas", contextualiza Carolina Ruoso. Falta de recursos e reformas inacabadas foram alguns dos novos entraves da instituição.
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O enfraquecimento das políticas públicas para as Universidades foi sentido por estudantes como a hoje artista visual Mariana Smith. Aluna de Comunicação Social entre 1999 e 2004, ela foi integrante do programa Bolsa-Arte. "A gente ficava experimentando técnicas, era muito solto", recupera.
O período delicado foi marcado, também, por embates entre modelos de museu. Por um lado, o Mauc recebia ideias inovadoras como a exposição "Labirinto da Arte e da Vida", aberta em agosto de 2004. Por outro, havia fortes pressões para que a instituição dinamizasse o acervo "São ciclos de cooperação, de colaboração. É um processo coletivo que gera divergências, disputas de interesses, mas a gente não pode perder de vista que o museu é esse lugar construído por tantas pessoas, com visões diferentes, mas que compuseram um grande repertório de imaginação museal para a instituição", defende Carolina.
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