Já se tornou comum em materiais que se refiram a Mallu Magalhães algo que trate de maturidade. Tenha alcançado ou não este ponto da vida adulta, sempre se busca por mais. Um exemplo: "A quem se perguntar como atingiu tamanha maturidade jovem assim, note que metade da vida ela passa/ou como artista" é a segunda frase do release que apresenta o disco "Esperança", lançado neste mês de junho.
Pra quem não lembra, esta cantora e compositora paulistana começou a chamar atenção do meio musical quando lançou quatro composições suas no MySpace. Ela tinha 15 anos à época e acabou emplacando "Tchubaruba", um folk cheio positividade que caiu no gosto do público e lhe rendeu imediatamente a gravação do primeiro disco, em 2008. Nesse mesmo ano, ela gravou no disco de estreia de Marcelo Camelo, com quem em breve assumiria um relacionamento, um casamento, e garantiria alguns espasmos na família tradicional brasileira.
De lá pra cá, a moça que cedo demonstrava apreço pelos sons de Bob Dylan, Johnny Cash e outras figuras dessa seara rock, folk, setentista, ampliou o leque de referências, mexeu com bossa nova, pop e outras referências roqueiras de décadas mais pra cá. E assim foi se afastando daquela imagem de início de carreira para se tornar uma compositora de personalidade muito particular, que foi construindo uma carreira à margem do que dita a última moda do mercado.
E por falar em maturidade, Mallu hoje tem 28 anos, cinco discos solo, outros projetos paralelos, é mãe e segue casada com Marcelo Camelo. O Hermano, inclusive, foi responsável por parte da mudança sonora na obra da esposa quando produziu, em 2011, o delicado e quase-MPB "Pitanga". Dez anos depois, "Esperança" solidifica as ideias plantadas ali. Ainda há algo de meninice no jeito de cantar, mas hoje ela usa isso mais como charme do que por inexperiência. A faixa "Barcelona" mostra isso, num sambalanço quase infantil de ritmo sedutor. Contrapondo essa meninice, entra a voz rouca de Nelson Motta declamando versos e brincando de cantor. Imagino que Nelson tenha planos para a voz de Mallu, nos moldes do que ele fez com Fernanda Takai e Nara Leão. Uma homenagem a Silvia Telles? Fica a dica.
Preta Gil também participa de "Esperança", dividindo os vocais de "Deixa a menina", mais um sambalanço com cheiro de Rio de Janeiro dos anos 1960. Preta Gil é melhor cantora do que seus discos fazem supor e faz uma bela parceria nessa faixa que é uma homenagem a Luísa, filha de Mallu (é assim que Luísa protesta quando não a deixam fazer o que quer, "deixa a menina"). "Regresso" mantém esse clima meio samba, meio bossa, e a letra em espanhol - junto com a costura de piano e trompete - garante certa melancolia doce à faixa.
Mas "Esperança" não é um disco de Bossa Nova. Também não é um disco carioca, ou brasileiro. É um trabalho de música contemporânea de todo o mundo. A faixa de abertura, "America Latina", mostra isso com sua letra bilíngue e versos curiosos como "I'm a mom of a beautiful menina/ Paçoquinha e picolé". Em ritmo de reggae e clima "Mano Chau", ela fala de si com olhar cosmopolita. E "As coisas" é um desabafo que Mallu canta com coragem, imprimindo força em versos como "Eu sei, as coisas não são fáceis/ Vão e vem tão incompressíveis/ E talvez, seja bom que seja assim". Seguindo na mesma mensagem, "Cena de cinema" tem a despretensão de uma caminhada à beira mar. E "Esperança" segue com surf music ensolarada ("I'm ok"), samba-canção lisérgico ("Fases da lua"), pop gostoso e assobiável ("Você vai ver") e um roquinho lento cheio de sorrisos ("Quero quero").
Produzido por Mário Caldato Jr. (Beastie Boys, Seu Jorge, Jack Johnson), "Esperança" traz muito da Mallu Magalhães de "Vem". O canto está mais seguro e o ponto alto está nos arranjos que exploram sopros, teclados vintage, timbres variados e ritmos que, embora pareçam díspares, se adequam bem ao conceito do todo. É como se cada faixa fosse pensada em particular, mas para que todas juntas possam compor uma obra maior. E o resultado está num disco com diferentes climas e muitos detalhes a serem descobertos a cada audição. É tal maturidade que tanto procuram.
Discografia
Mallu Magalhães (2008) Trabalho de estreia, com sons vigorosos e sem pudor em assumir a inspiração em Bob Dylan. A voz ainda inexperiente compromete principalmente faixas mais lentas. "You know you've got" é bem bacana.
Mallu Magalhães (2009) Repetindo a fórmula da estreia, ela segue misturando inglês e português. Dylan ainda é a meta, mas buscando soar mais contemporâneo e diverso. "My home is my man" é o destaque.
Pitanga (2011)
Com produção do marido Marcelo Camelo, ela começa a ousar mais. A voz ainda busca se encaixar entre tantas ideias. Tem um pouco de samba, de brega, de folk e bolero havaiano. "Sambinha bom" é o hit.
Banda do Mar (2014)
Projeto montado ao lado de Marcelo Camelo e do baterista português Fred Ferreira. Voltado para o rock, o disco é dividido entre composições de Marcelo e Mallu.
Vem (2017)
Nova roupagem, novas referências e mais segura do que diz, ela abre com um samba à la Jorge Ben. Bem humorado e cercada de grandes músicos, Mallu se abre para novas possibilidades.
Mallu Magalhães - Esperança
12 faixas
Produção Mário Caldato Jr. e Mallu Magalhães
Participação de Nelson Motta e Preta Gil
Onde: disponível nas plataformas digitais