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Nascido há 150 anos, Proust reverbera na cultura literária brasileira
Vida & Arte

Nascido há 150 anos, Proust reverbera na cultura literária brasileira

Escritor francês Marcel Proust é autor da clássica obra "Em busca do tempo perdido" — livros que conquistam leitores e pesquisadores no Brasil
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O escritor Marcel Proust em 1895 (Foto: Otto Wegener/Dominio Publico)
Foto: Otto Wegener/Dominio Publico O escritor Marcel Proust em 1895

"(...) Maquinalmente, acabrunhado pelo dia tristonho e a perspectiva de um dia seguinte sombrio, levei à boca uma colherada de chá onde deixara amolecer um pedaço de madeleine. Mas no mesmo instante em que esse gole, misturado com os farelos do biscoito, tocou meu paladar, estremeci, atento ao que se passava de extraordinário em mim". Nascido ao 10 de julho de 1871 em Auteuil — há 150 anos —, o romancista, ensaísta e crítico literário francês Marcel Proust é autor do primeiro clássico do século XX: "À la recherche du temps perdu" (1919-1927), traduzido em português como "Em busca do tempo perdido".

Dividida em sete livros, a obra é um mergulho no passado do narrador — que constrói, entre rememorações, o cenário da aristocracia francesa na virada do século XIX para o século XX. A "Recherche", como é conhecida universalmente a obra, é uma busca por lugares e nomes que o tempo arrastou, modificou e transformou. Filho do médico Adrien Proust e de sua esposa Jeanne Weil, de origem judia, Proust publicou seus primeiros trabalhos literários nas revistas "Le Banquet", da qual foi um dos fundadores, e "Littérature et Critique", no ano de 1892. Quatro anos depois, o francês estreou em livro com "Les Plaisirs et les jours" (Os prazeres e os dias).

"Marcel Proust é um dos autores mais relevantes da literatura ocidental, segundo o crítico Antoine Compagnon. Isso porque sua obra aborda temas universais, tais como o amor, o ciúme, a homossexualidade, a passagem do tempo, a relação com a arte, a memória, a família, a história, portanto, temas que desconhecem a barreira do tempo. Não à toa, vemos ainda hoje, 150 anos após seu nascimento, e mais de 100 após a publicação do primeiro volume da "Recherche", sua obra ser reeditada, estudada, traduzida, retraduzida, em diversas partes do mundo", destaca Sheila Maria dos Santos, professora do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução da Universidade Federal de Santa Catarina. "A memória (involuntária), o tempo, a consciência do envelhecimento, a experiência de uma vida cuja única saída da banalidade mundana era a Arte, são temas centrais na obra proustiana, que fazem deste autor um clássico atemporal, cuja atualidade está exatamente na busca pelo eterno, que só se dá, para o autor, por meio da arte", complementa a pesquisadora.

No Brasil, a recepção da obra proustiana é vasta: a primeira tradução de "Du Côte de Chez Swann", livro que inicia a "Recherche", foi lançada no País assinada pelo poeta Mário Quintana em 1948. Mais de 70 anos depois, a obra possui versões que vão do digital ao mangá. "A estreia de Proust no Brasil esteve à altura do lugar ocupado por este autor canônico no cenário literário mundial, conforme corrobora José Otávio Bertaso ao afirmar que 'uma tradução de Marcel Proust deveria revestir-se de toda pompa e solenidade'. Com efeito, os editores da Livraria do Globo não pouparam recursos e lançaram mão de um time de estrelas das letras nacionais para executar a hercúlea tarefa de tradução de "A la Recherche du Temps Perdu". No Brasil, a tradução foi assinada por Mario Quintana, responsável pelos quatro primeiros volumes; Manuel Bandeira e sua companheira Lourdes Sousa de Alencar traduziram o quinto volume; Carlos Drummond de Andrade ficou a cargo do sexto volume; e, finalmente, Lúcia Miguel Pereira traduziu 'Le temps retrouvé' (último livro). Outrossim, o Brasil é um dos poucos países a contar com uma retradução integral da 'Recherche', publicada pela Ediouro (1992-1995), assinada integralmente pelo escritor-tradutor Fernando Py, reeditada em 2002. A inserção de Marcel Proust no país reforça a canonicidade do autor, tendo sido traduzido por grandes escritores-tradutores, em editoras renomadas, solidificando, assim, a presença deste clássico literário francês em solo brasileiro", elucida Sheila.

Administrador das páginas Proust Brasil no Instagram e no Facebook, Carlos Eduardo Souza Queiroz conheceu a obra proustiana em meados de 2009 — ao lado dos colegas Alexandre e Wilson, o paulista criou uma sociedade chamada Patética em alusão à Sinfonia nº 6 de Tchaikovsky. Nos encontros de amigos para conversar e ouvir música, Alexandre emprestou o primeiro volume da "Recherche" biblioteca municipal e leu para o grupo em voz alta o parágrafo inicial. "Eu tinha 20 anos, trabalhava como auxiliar de produção num frigorífico e ia para o trabalho de ônibus, lendo Proust no caminho. Pensava: 'Que livro é esse? Que descobertas maravilhosas!'. Passei o ano inteiro só lendo 'Em busca do tempo perdido', foi o único livro que me deixou acordado de madrugada", ri. Hoje, Carlos é profundo estudioso da produção bibliográfica do francês.

"A recepção do Proust no Brasil começou em 1919, quando o escritor ganhou o Prêmio Goncourt e pela primeira vez e sai na imprensa do Rio de Janeiro uma nota com o nome dele. O cearense Hermenegildo de Sá Cavalcante, muito importante para a recepção do Proust no País, contava que um aviador tinha deixado uns livros no Brasil e o Jorge Lima teria sido o primeiro leitor… Há diversas versões, mas o nordeste foi fundamental para a consolidação proustiana aqui", resgata Carlos, que indica a obra do pesquisador Etienne Sauthier sobre Proust nos trópicos. "Outros nordestinos que têm trabalhos importantes são Otacílio Alecrim e Álvaro Lins".

Morador de Itapetininga, mas natural de Angatuba, Carlos se extasiou com a obra proustiana primeiro pela saudade de sua cidade, o lugar da província. "Como todo livro que a gente lê e se apaixona, o Proust me encantou pela identificação. Sou do interior de São Paulo, de uma cidade pequena que também tem uma igreja marcante, e quando comecei a ler sobre a cidade fictícia de Combray alguma coisa se aguçou dentro de mim. Eu comecei a ver a minha cidade com um outro olhar, como o lugar me formou como ser humano. Proust, para mim, representa uma ligação muito afetiva com a cidade que eu vivia. Eu fiz as pazes com o meu lugar depois de ler 'Em busca do tempo perdido'", finaliza.

 

Em busca do tempo perdido: dicionário de nomes e lugares
Em busca do tempo perdido: dicionário de nomes e lugares

Em busca do tempo perdido: dicionário de nomes e lugares

Michel Erman

Páginas: 189
Formato: 16cm x 23cm
Data de lançamento: 12/10/2015
Preço: R$ 69,90

Livro de Étienne Sauthier sobre a recepção de Marcel Proust no Brasil (em francês).
Livro de Étienne Sauthier sobre a recepção de Marcel Proust no Brasil (em francês).

Proust sous les tropiques: Diffusion, réceptions, appropriations et traduction de Marcel Proust au Brésil (1913-1960)

Livro de  Étienne Sauthier

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