Quando um funcionário vestido com calça azul e blusa amarela passa com um pacote nas mãos, o brasileiro consegue identificar de imediato os Correios. Esses entregadores podem ser encontrados em qualquer lugar dentro de um País de tamanho continental. Eles atravessam rios em cima de canoas, utilizam bicicletas, dirigem carros e também andam a pé. Com a estatal, qualquer pessoa pode enviar à outra um produto, independente do lugar que esteja. Mesmo com a eventual demora, o objeto chega. Mas, após a decisão do Governo Federal de privatizar a empresa pública, muitas questões permanecem incertas.
Pequenos empresários e profissionais independentes que utilizam o sistema de entrega temem o que acontecerá se a privatização for firmada - e um dos mercados mais prováveis de ser afetado é o editorial. Um dos possíveis impactos levantados é o aumento no preço dos fretes. "A principal consequência é que os fretes vão aumentar e uma outra é que talvez seja extinta a categoria do 'Registro Módico', em que podemos enviar documentos e livros até dois quilos com um valor bastante baixo", pontua Nathan Matos, editor-chefe da Editora Moinhos.
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A situação, portanto, obrigaria o setor a se adaptar e lucrar unicamente com as grandes redes de vendas, como a Amazon. "Todo um sistema vai ser voltado para o marketplace. Boa parte do meu faturamento hoje em dia vem do meu próprio site. Em outras editoras que conheço, o faturamento dos sites, principalmente nos últimos anos, tem crescido. Então se você tira isso do pequeno empreendedor, pode contribuir para que ele, a curto prazo, tenha que repensar suas estratégias ou até fechar as portas", explicita.
A visão desse problema é compartilhada também por Valéria Martins, agente literária da Oasys Cultural. "A principal consequência é o encarecimento do livro. Na pandemia, as vendas on-line aumentaram muito em todos os setores. Isso está causando o fechamento das pequenas livrarias de rua. As pessoas passaram a comprar na Amazon, que tem o seu sistema próprio de entregas. E quem assina Amazon Prime não paga frete. As editoras tradicionais ou independentes têm suas lojas de venda, mas o frete encarece muito", indica.
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O aumento dos preços dificultaria o acesso aos livros, segundo Valéria. "A privatização pode afetar os leitores, diminuindo ainda mais o acesso aos livros, por causa do encarecimento dos serviços. O serviço dos Correios é bom. São raros os extravios. O governo atual já queria taxar os livros, agora quer privatizar os Correios. Desse jeito, o Brasil, que já não é um país leitor, será menos ainda", opina. De fato, nos últimos quatro anos, 4,6 milhões de brasileiros abandonaram o hábito da leitura, de acordo com a quinta edição da pesquisa "Retratos da Leitura no Brasil", divulgada em 2020 e realizada pelo Instituto Pró-Livro, em parceria com o Itaú Cultural e o Ibope Inteligência.
Mas ainda há outra questão que deve ser abordada: a estatal atende a todos os municípios brasileiros - até mesmo aqueles que não geram lucros. "Acredito que isso pode ser bem ruim para quem mora em regiões distantes do nosso imenso Brasil. Os Correios são uma maneira de se manter conectado, de comprar o que não está à mão. Qual garantia teremos de que essas regiões serão atendidas?", questiona Valéria Martins.
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Para Nathan Matos, não há certeza se a companhia privada que gerir os Correios teria a mesma capilaridade. "Quem garante que qualquer empresa que tomar o lugar dos Correios vai ter a capilaridade? Não vai. A primeira coisa que você faz é cortar custos, então eles vão fechar locais que estão em negativo (...). O Brasil é um país continental. Os Correios atendem às áreas que não são lucrativas", explicita. Apesar disso, a empresa apresentou lucro líquido de R$ 1,53 bilhão em 2020, de acordo com publicação do Governo Federal em maio deste ano. Esse foi o melhor resultado em
uma década.
Segundo o editor, a possível privatização não afeta de forma negativa as médias e grandes empresas, que já utilizam outros serviços de entrega. "Quem mantém a economia do Brasil em todos os setores são os microempresários. Então isso pode interferir economicamente de uma maneira muito mais profunda do que a gente analisa", comenta. Para ele: "As pessoas se enganam quando dizem que os Correios são monopolistas. Existem várias empresas privadas que você pode pagar para enviar o que quer que seja. As pessoas não sabem, mas existem distribuidoras que utilizam os serviços dos Correios, porque eles chegam em locais que ninguém mais chega".
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O projeto de lei 591/2021, que visa privatizar a estatal, deve ser discutido na Câmara dos Deputados até o próximo mês. Os trabalhos do Legislativo, porém, entram em recesso do dia 18 a 31 de julho. O Ministério Público Federal, por meio do procurador-geral da República, Augusto Aras, se posicionou contra a privatização e defendeu que sua aprovação seria inconstitucional.