Se a primeira temporada da série "Betty", da HBO, já havia sido marcada por um espírito realista forte ao retratar as vidas das jovens skatistas de Nova York, a segunda temporada reforçou essa intenção. Ambientada nos últimos meses de 2020, em plena pandemia, a série incorporou elementos do contexto global na trama. Isso sem falar, naturalmente, dos temas contemporâneos que a obra aborda, como feminismo, racismo, redes sociais, vivências LGBT e relacionamentos. Com o recente término da temporada, o V&A traz com exclusividade entrevista realizada em junho com as atrizes Rachelle Vinberg e Ajani Russell, que interpretam Camille e Indigo. Todos os 12 episódios das duas temporadas de "Betty" estão disponíveis na HBO Max.
O que vocês sentiram quando souberam que "Betty" teria uma segunda temporada?
Rachelle Vinberg - Eu fiquei muito entusiasmada. Quando nós ficamos sabendo, estava com a Crystal na praia em Montauk. Ela repetia: “Vamos ter a segunda temporada!”. E eu repetia: “Genial!”. É uma excelente oportunidade para explorar mais. Sinto que na primeira temporada dissemos muita coisa, mas sempre queríamos mostrar e contar muito mais sobre o nosso mundo. Principalmente compartilhar muitas das histórias mais loucas que vivemos nos últimos anos. Então, tínhamos essa oportunidade.
Ajani Russell - A primeira coisa que pensei foi: "Uau, acho que as pessoas gostam!". Estou contente de poder contribuir para esta representação de mulheres negras no mundo do skate e de navegar em Nova York, à medida que crescemos e nos damos conta de quem somos.
Os laços entre o elenco parecem realmente naturais. Como foi trabalhar juntas?
Ajani - Somos todas amigas. Eu já morei com a Crystal (Moselle), a diretora de "Betty"; a Rachelle morou com a Moonbear alguns anos. Somos uma espécie de família. E também somos muito unidas.
Rachelle - Também estamos habituadas a fazer esse tipo de coisa, a filmar desse jeito. Sinto que, quando você pratica skate em geral, sempre está com a câmera enquanto faz as piruetas e as pessoas estão se incentivando. Filmar com elas é assim também. Às vezes você chega ao set de filmagem e não está se sentindo bem, mas felizmente tem as suas amigas que conversam e ajudam a enfrentar aquela situação ruim. De repente, você está em cena com elas, rindo e se sentindo muito melhor.
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Quais são os destaques da nova temporada?
Ajani - Bem, as nossas duas personagens passam por muita coisa nesta temporada.
Rachelle - É verdade. Eu gosto de como o roteiro colocou cada amiga na relação dentro do grupo e também na conexão com outras pessoas. Então, temos histórias que cruzam, e foi muito divertido trabalhar assim. A Ajani e eu nos divertimos muito durante as nossas cenas.
Ajani - As nossas personagens podem explorar suas relações entre si. O simples fato de haver mais conversas só entre as nossas duas personagens permite ver quem elas são e descobrir seus valores e sua moral, e o que as motiva.
A série explora diversos temas importantes e muito atuais, como Black Lives Matter, Breonna Taylor [vítima da violência policial], e características de mulheres racistas, denominadas "Karen". Qual foi a importância de incluir isso no roteiro?
Ajani - A série se baseia nas nossas vidas, então necessariamente a história acontece e cresce junto conosco. E o mundo também muda.
Rachelle - O roteiro foi escrito durante a pandemia, quando tudo isso estava acontecendo. É claro que, quando você está no meio de algo assim, isso chega ao roteiro, porque está acontecendo diante de nós. Outro tema genial da série é o cuidado com os detalhes que vemos em todos os aspectos. Se você parar para observar de perto o fundo, por exemplo, vai ver cartazes que mostram com precisão o que está ocorrendo no mundo hoje. Na tomada de abertura da rua, o público verá lugares vazios durante o isolamento social. Reflete exatamente o que estava acontecendo alguns meses atrás.
Os fãs adoram o estilo na série. Vocês puderam colaborar com a própria visão da moda?
Ajani - Sim, claro, demos a nossa colaboração. Eu acho que o estilo das nossas personagens tem a ver com o nosso. Íamos às provas de figurino e selecionávamos as roupas dizendo "eu usaria isto", "isto fica bom", "ah, os acessórios".
Rachelle - As roupas das personagens mostram basicamente o que nós usamos. Todas nos vestimos muito como as nossas personagens.
Ajani - Mas como se tivéssemos dinheiro e mais tempo para fazer compras, e se pudéssemos nos dedicar mais a isso.
Na primeira temporada houve muito amor nas redes, proveniente de mulheres jovens. Vocês receberam mensagens animadoras das fãs?
Rachelle - Muitas. Mesmo que fossem mensagens dizendo só "Oi, comecei a andar de skate por sua causa".
Ajani - Principalmente quando estamos todas juntas, o amor é muito.
Rachelle - Na verdade, eu comecei a praticar skate porque vi o filme "Os Reis de Dogtown", da Catherine Hardwicke, e pensei “isso é incrível”. Eu gosto muito do personagem do Emile Hirsch, estava obcecada por ele. Por isso, é louco quando as pessoas entram em contato e dizem que começaram a andar de skate porque viram "Betty".
Ajani - O meu modelo no skate quando eu era mais nova foi a Reggie, de "Rocket Power". Era uma personagem de desenho animado com o cabelo roxo. Era a única garota que eu conhecia que praticava skate. Vejo os X Games e penso: “é incrível, mas acho que não é a minha praia”. Sempre adorei a ideia de andar de skate, então, quando conheci a Nina [Moran], aos 18 anos, foi como se ela dissesse: “Você quer praticar skate? Então, fala menos”. Ela me deu um skate de presente. E sempre serei grata por isso. Ela tinha confiança em mim, uma confiança que eu não tinha em mim mesma para começar no skate. O outro fator importante para mim, e que continua me motivando a fazer "Betty", é ser uma personagem inspiradora que eu não tive. Durante esta temporada, eu filmei com uma menina de 10, no máximo 13 anos. Ela me disse: "Não vejo muita gente como você ou com o seu cabelo [no mundo do skate]"; ela tinha um cabelo afro gigante e bonito. Então, estou feliz de que esta garota negra tenha esse tipo de confiança em si mesma tão cedo e que possa ser tão reflexiva. Eu me emocionei novamente depois quando a mãe dela me disse: "Estou muito contente que ela tenha conhecido você. É fantástico que ela tenha alguém a quem admirar que ande de skate". A menina me perguntou se podia fazer uma foto comigo, e eu respondi: "É claro". Depois eu disse que precisava ir embora, mas virei as costas e comecei a chorar. Fiquei muito emocionada.
Quais foram as partes mais difíceis de filmar?
Rachelle - Odiei todas as partes em que a Ajani e eu tínhamos que colocar aquela roupa, em que se supõe que a minha personagem se sente desconfortável. Porque, é claro, era a semana em que estava menstruada, então, eu não me sentia a mesma pessoa. Usar roupa apertada quando a minha personagem na verdade se sente desconfortável foi muito difícil.
Ajani - Toda a interação que a Indigo tem com os homens é desagradável, vemos que eles a desprezam. Podemos ver nessas situações que aqueles homens não respeitam as mulheres e que há misoginia. E essas cenas reviveram o trauma que eu tive, e não estou falando de relações românticas, estou falando da rua, desse tipo de interação com estranhos em que você pensa: “De onde você tira a audácia de falar com alguém assim?”
Como foi trabalhar na HBO?
Ajani - Foi fantástico, é claro. Foi diferente e intenso. Antes a nossa experiência de trabalhar juntas foi com um espírito muito mais descontraído. Isto aqui é a HBO! Então dizíamos: “bem, gente, temos que estar à altura”. Skate Kitchen foi um filme independente; na verdade éramos só algumas garotas que dividiam um departamento.
Como vocês estão se sentindo com o lançamento?
Ajani - Apavorada!
Rachelle - A série é para pessoas como nós. É para garotas e para pessoas parecidas com a gente. E isso é o que realmente importa. O que os outros vão dizer não importa. Não é para todo mundo.
Ajani - Fizemos com um público-alvo na cabeça, para pessoas como nós. Para pessoas que se sentem sub-representadas ou mal representadas.
Rachelle - Eu acho que é uma série com a qual todo mundo pode se identificar, mas o foco são os nossos pares.
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Como foi trabalhar com a Crystal (Moselle)?
Rachelle - Ela é como se fosse da família. Nós já a conhecíamos desde sempre, moramos com ela. Somos muito próximas e colaboramos muito. Somos tão próximas que às vezes discutíamos. Nós dizíamos "eu não quero dizer isso", ou "por que não dizemos isso ou aquilo?" E ela respondia: "eu sou a diretora". Obviamente todas temos respeito umas pelas outras, mas as brigas eram engraçadas. Em geral, ela é muito receptiva ao que temos para dizer, sempre ouve as nossas opiniões e também nos pergunta o que pensamos.
Ajani - Ela nos apoia muito, não é só uma diretora-produtora contando a história deste grupo de pessoas que são mal representadas. Aqui contamos as nossas próprias histórias. Por isso acho que "Betty" foi tão bem-sucedida, porque é totalmente genuína e autêntica. Ela colabora muito conosco.
O que foi mais marcante em toda a série, uma recordação especial?
Ajani - Foi quando a minha personagem estava presa por cordas e eu flutuava. Essa cena foi muito divertida.
Rachelle - A cena de abertura em que estávamos andando de skate na rua. Foi realmente genial porque fecharam aquela rua no Soho, e era um lugar lindo, você vê a avenida Bowery. E eu ficava pensando: “Isto é realmente genial, estamos nesta cidade e fazendo isto. Não sei se vamos poder fazer de novo”. Foi um desses momentos.
Betty
Temporadas 1 e 2 disponíveis na HBO Max
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