Como se sabe, as técnicas de amarrar são traiçoeiras. E isso vale tanto para os nós dos cordões de sapatos como os vínculos familiares. Muito frouxos, podem se desfazer e provocar tombos; apertados em demasia, incomodam e fazem mal à circulação Os arranjos familiares, que podem significar tanto opressão quanto segurança, são o tema de Laços, filme italiano de Daniele Luchetti baseado em romance de Domenico Starnone, já publicado no Brasil pela Todavia.
Aldo (Luigi Lo Cascio) e Vanda (Alba Rohrwacher) são casados e têm dois filhos. A união é abalada pela entrada em cena de Lidia (Linda Caridi), colega de trabalho de Aldo, um radialista especializado em literatura. O casamento desmorona, Aldo vai morar com Lidia, mas também esse relacionamento não dura muito e ele volta para a esposa.
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Há um salto no tempo, com o casal Aldo e Vanda já idoso, e com os personagens agora interpretados por Silvio Orlando e Laura Morante. Eles continuam a viver em seu espaçoso apartamento em Nápoles, cheio de livros e recordações. E também de alguns fantasmas do passado. Os filhos estão crescidos. Sandro (Adriano Giannini) e Anna (Giovanna Mezzogiorno) são dois tipos mais amargos que solares.
O rapaz vem de casamentos desfeitos. A irmã parece não se interessar por nada, exceto em vender o apartamento dos pais e resolver seus problemas financeiros.
A família descrita por Starnone, e retomada por Lucchetti, é um agrupamento despojado de afeto. Aldo voltou de sua aventura extraconjugal de cabeça baixa e teve de se submeter ao jugo de uma esposa ressentida. Os filhos sofreram com o ambiente em que se criaram e se tornaram adultos sem luz própria.
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Como na prosa de Starnone, também no filme os pequenos detalhes são fundamentais. Os laços são metáforas das relações humanas, mas também significam uma forma concreta de o pai ausente se reaproximar dos filhos. Reaproximação ilusória, como se verá. O apartamento da família é outra entidade simbólica, personagem mudo na história, no qual se escondem objetos sutis, alguns comprometedores, como a caixinha que esconde fotos que não deveriam ser vistas por ninguém. Há mistérios, como a destruição da casa sem que nenhum objeto de valor tenha desaparecido. Um mistério que é menos policial do que expressão das contradições afetivas em jogo numa estrutura familiar minada pela base.
O filme é bom, mas não preserva o encanto do livro. Neste, Starnone pode se dar ao luxo de sutilezas, numa narrativa em três níveis, concedendo voz ao marido, à mulher e depois aos filhos. Uma polifonia em que todos defendem sua razão sem que nenhum acordo pareça possível. Na narrativa cinematográfica, tudo se mistura um pouco mais, com idas e voltas frequentes no tempo. No entanto, os desfechos e conclusões parecem abruptos demais, saltos que servem, de fato, para surpreender o espectador, mas também denotam certa carência de nuances. No percurso, um pouco da subjetividade dos personagens é perdida.
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Salvo esses trancos inesperados, a narrativa proposta por Luchetti parece fluida e ancorada numa bela dupla de intérpretes, Luigi Lo Cascio e Alba Rohrwacher. A coisa já não anda tão bem quando avança no tempo e então são Silvio Orlando e Laura Morante a encarnar o casal, trinta anos mais velho. Não por deficiência do ator ou da atriz, ambos ótimos, mas pela falta de química entre eles. Algo não funciona.
De qualquer forma, a história é intrigante, como são todas as contadas por Domenico Starnone, tido como o grande autor italiano da atualidade. Várias de suas obras já foram publicadas no Brasil. Além de Laços, Segredos e Assombrações, romances breves e contundentes. Textos que escavam o subsolo das relações familiares e expõem à luz do dia velhos fantasmas, esqueletos saídos do armário, teias de aranha, lembranças incômodas, ciúmes ancestrais e ressentimentos sempre vivos. Tranqueiras mentais que, vindas do passado, atormentam as pessoas no presente. Com distribuição da Synapse Distribution, o filme chega às plataformas Claro Now, Vivo Play, Sky Play, iTunes / Apple TV , Google Play e YouTube Filmes.