Valdo Siqueira estava gravando um filme em Tabuleiro do Norte quando cruzou com a filha do repentista, violeiro, cantador e professor Dimas Batista (1921 - 1986). O realizador audiovisual tinha um breve conhecimento sobre a história dos irmãos Batista, mas lhe faltava aprofundamento. Ao ser convidado a explorar os documentos naquela casa, deparou-se com uma pintura feita por Ariano Suassuna (1927 - 2014) e várias cartas trocadas entre as duas figuras da cultura popular. Até correspondências de Manuel Bandeira (1886 - 1968) estavam guardadas naquele lar. Fascinado por essa memória esquecida, Valdo Siqueira iniciou a produção do documentário "De Repente, Dimas", que está previsto para lançar ao público em dezembro deste ano.
O também professor da Universidade de Fortaleza (Unifor) retornou à capital cearense e comprou dezenas de livros sobre cantoria e poesia. "Na casa, havia coisas de grande valor arqueológico e cultural. Na minha ignorância, fiquei me sentindo péssimo. Voltei para Fortaleza e saí comprando tudo que é livro. Foram umas 40 obras sobre cantoria e poesia popular. Saí pesquisando e não encontrei quase nada. Foi assim que percebi que Dimas tem uma memória negligenciada pelo tempo", recorda. Assim, o projeto não foca na trajetória do artista, mas em seu processo de esquecimento.
Ainda no período de gravação, já prepara entrevistas com vários nomes da cena local e nacional. Alceu Valença, Antônio Nóbrega, Erivan Produtos do Morro e Banda Renegados são alguns dos nomes confirmados. Todos eles têm alguma relação - direta ou indireta - com o cantador pernambucano. "O Erivan Produtos do Morro é um rapper neto de cantador. Em um dado momento, uma das pessoas que conversei fala que, se Dimas estivesse vivo, ele veria o mundo como os rappers. Então fiz essa ligação. Também há a Banda Renegados, que é de Tabuleiro do Norte, e o avô de um dos membros era o principal 'rival' repentista de Dimas", explica.
Para Valdo, a perda da memória sobre Dimas Batista é uma questão recorrente no Brasil, que acontece com muitos artistas da cultura popular. "As pessoas costumam se ater a alguns pontos da biografia, mas o restante tem uma abordagem sempre muito superficial. O esquecimento se tornou maior que o próprio Dimas. Como você explica que um homem, reconhecido por Ariano Suassuna como um dos suprassumos da cultura, não tem o reconhecimento em grandes livros de cantoria e repente? Esquecer o Dimas é um golpe na cultura. É dizer que não nos importamos com nossos poetas", avalia.
O documentarista, que há aproximadamente uma década desconhecia a história do artista, descobriu o legado que o homem deixou para o Ceará e também para o Brasil. "Ele era um pernambucano, que se mudou para o Vale do Jaguaribe para se casar. De lá, é impressionante o que ele produziu em termos de literatura, cantorias, repentes. Há um valor universal", pontua. Além de sua contribuição para as artes, Dimas foi professor e diretor de um colégio, quando a cidade em que morava ainda era ausente em redes de educação. "Ele foi um disseminador da cultura ao ponto de ser diretor de uma escola. Levou o inglês, o francês… A biblioteca dele tinha das obras de Homero às de Walter Benjamin", cita.
No ano do centenário de Dimas Batista, "De Repente, Dimas" está previsto para ser lançado em dezembro no cinema e em plataformas de streaming. Ainda não há, entretanto, locais e datas específicas. Com roteiro assinado pelo realizador audiovisual Valdo Siqueira e pelo compositor Eugênio Leandro, projeto recebe apoio da Lei Aldir Blanc, por meio da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (Secult/CE).
À margem do rio Jaguaribe
No mesmo período em que conheceu a história do repentista, refletiu sobre outra questão: existiria uma lírica jaguaribana? "A ideia surgiu em 2013, a partir de uma conversa que tive com o músico Eugênio Leandro. Eu disse que toda vez que ia gravar na região, percebia que as pessoas tinham poesia na voz, na fala, todo mundo sabia escrever bem. E ele respondeu: 'Cara, eu acho que existe uma lírica jaguaribana'", lembra. Percebeu, então, que a discussão renderia um filme. Oito anos depois, está gravando "Lírica Jaguaribana". Em sua visão, esse fenômeno acontece, em partes, por causa da forte ligação da população com a topografia.
O curta-metragem, codirigido por Paulo Marafron e também apoiado pela Lei Aldir Blanc, explora as manifestações líricas presentes nas comunidades ribeirinhas do rio Jaguaribe. Além disso, busca contar a história dos locais e resgatar as memórias de seus moradores. "A gente quer dar, de certa forma, uma contribuição para o Vale do Jaguaribe. O questionamento é uma provocação", diz Valdo Siqueira.
Conteúdo, previsto para lançar em dezembro, estará disponível no site do Instituto Brasil de Dentro. A organização sem fins lucrativos tem o objetivo de desenvolver diversas atividades, incluindo as culturais, em várias regiões brasileiras.
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