Esperar o tempo passar, essa tem sido a minha fortuna. tem sido meu leste, meu sul, meu oeste e esse horizonte a quem chamo de norte. fragmentos das bússolas que, por descuido, deixei desmantelar. prefiro pensar que não há falha, ou melhor, é preciso permitir o erro, o escorrego, o desvario e deixarmo-nos ser atravessadas por nossas próprias escolhas e por todo o somatório das experiências que elas nos trazem.
é chegada a temporada dos ventos, setembro nos diz: cajus e jambos colorindo calçadas e olhares dos que tiram as chinelas dos pés a fim de conseguir o fruto que, suculento mesmo, somente nessa época do ano. sazonal, o termo correto e - mais uma vez - é preciso saber esperar com a mesma intensidade de quem aguarda aquela música favorita tocar no rádio. ela toca e eu finjo surpresa, o coração bate forte e os pensamentos me levam às mesmas sensações, pessoas e encontros já vivenciados. fecho os olhos e é tanta água e sal, tanto mar, tanta duna e céu estrelado que tenho medo de outra vez voltar a enxergar a vida de agora, assim tão longe, tão furtiva e tão minha.
espero a conta no restaurante, o sinal de trânsito me permitir atravessar a avenida das treze alegrias, o dia amanhecer, o transporte particular de aplicativo, as compras do supermercado, o destravamento do computador, o cozimento das batatas inglesas, o dinheiro na conta, a próxima estrela cadente, o outro feriado, uma gestação em antecipação, o janeiro mais esperado que se aproxima, o moço do petshop trazer os cachorros do banho e tosa, a fotografia ir surgindo à medida que luz e química se fundem no papel instantâneo, eu espero o sim do olho dela, a minha vez de tomar a vacina, o tempo das pipas, a onda mais mansa, a espuma no copo de cerveja baixar, o avião atravessar o atlântico trazendo de volta minha irmã. espero ansiosamente pelo próximo episódio da série que jamais vou finalizar a temporada, que ela apronte a maquiagem para ir comprar cigarros na esquina, que meu bem - noite após noite - aprenda a tocar a música que eu tanto pedi no instrumento novo.
e é justamente como quem não sabe muito bem o que fazer diante de uma nova possibilidade - que eu espero. espero os dias passarem, os pássaros retornarem aos seus ninhos, outra noite de lua cheia, esperar o tempo do satélite passar rasgando o firmamento, o respiro entre um gozo e outro e outro e outro e outro e outro, a garrafa de água transbordar sob o filtro de carvão ativado, a máquina de lavar centrifugar as toalhas brancas, o cabelo crescer até abaixo dos ombros e - então - cortar curtinho outra vez. espero a vez dos que têm fome e seguram os pratos rasos e brancos na fila do self service enquanto salivam. espero o deleite de estar estupefata com a risada dela, com os movimentos que ela faz enquanto manuseia qualquer coisa: cigarro, caneta, comida, cabelo, meu corpo ou um pincel atômico.
esperar o tempo do luto domesticar tamanha saudade e esperar que cada dia vinte e cinco não seja outra vez aquele desespero devastador. esperar a resposta imediata da pergunta feita em áudio, mais de três minutos, para apenas receber um emoji de mãozinha dando ok como resposta. eu espero jamais me acostumar com tamanho alumbramento dos encontros e desencontros da vida. espero poder receber, assentida, que tudo tem seu tempo e que não cabe a mim ou a nenhum outro mortal permear o caminho das realizações.
esperar o vento fazer a curva, o sonho se realizar, esperar completar o álbum de figurinhas, reparar se o carteiro trará aquela carta tão esperada onde lá estará escrito:
o tempo, o tempo é de esperar a vida na coragem.
Por Anna K Lima