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Entrevista com Alice Caymmi: "Qualquer ato artístico, hoje, é resistência"
Vida & Arte

Entrevista com Alice Caymmi: "Qualquer ato artístico, hoje, é resistência"

Alice Caymmi canta no palco do Theatro José de Alencar (TJA) em edição virtual do Festival Ecléticos. Em entrevista exclusiva, a carioca repercute novo lançamento, arte, pandemia e política
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Alice Caymmi, cantora e compositora carioca, durante gravação de sua apresentação para o Festival Ecléticos, no Theatro José de Alencar (TJA) (Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves Alice Caymmi, cantora e compositora carioca, durante gravação de sua apresentação para o Festival Ecléticos, no Theatro José de Alencar (TJA)

Alice Caymmi cresceu em meio às artes. Entende as expressões como formas de mostrar sua identidade ao mundo. No single "Serpente" (2021), lançado recentemente nas plataformas digitais, ela exclama: "Eu tenho direito de me expressar/ E viver do jeito que eu quiser". No videoclipe disponível no YouTube, uma Alice múltipla, que mescla várias performances de si aos universos pop e lírico. Durante o período de reclusão, devido à Covid-19, a canção "Tudo Que For Leve" (2012), do seu primeiro disco, repercutiu na internet. Como numa prece, o público cantou: "Eu quero tudo que for bem colorido/ Tudo que for leve". Em tempos árduos, a arte manifesta tantos sentimentos. E Alice considera essa perspectiva.

No último dia 10, a carioca esteve na Capital cearense para gravar sua participação no Festival Ecléticos. A edição acontece de 25 de setembro a 16 de outubro, aos sábados, em formato virtual. Alice canta no palco do Theatro José de Alencar (TJA), encerrando o evento. No camarim, a artista concedeu entrevista exclusiva ao O POVO. Em pé, enquanto esperava secar a cola das unhas postiças, falou sobre novo single, carreira, pandemia, família, moda e política.

O POVO - Alice, já conhecia o TJA?

Alice Caymmi - Cara, eu achei que sim, mas não. É a coisa mais linda. É um pedaço de história! No Brasil, hoje, tudo que tá de pé a gente valoriza. E Fortaleza tem uma energia maravilhosa. Gosto muito do público daqui, venho sempre muito animada. Tem um calor! Uma receptividade diferente.

OP - Como nasceu "Serpente"?

AC - O single é o começo do meu próximo disco, ele adianta alguns temas. É uma nova fase. Estou muito direta, compondo mais. A maior parte das músicas são minhas. Essa música é autobiográfica e eu não costumo fazer isso. É um momento diferente, novo.

OP - A música fala sobre liberdade de si. No videoclipe, há várias Alices em uma. Como foi traduzir essa narrativa em imagem?

AC - Foi difícil, mas com a equipe luxuosa que eu tive… As pessoas a fim de fazer. Victor Miranda, Tereza Brown, Aline Lata, Érico Toscano... São artistas muito talentosos. Achei um grupo de artistas que me entende e faz funcionar.

OP - No single, você diz que quer viver do seu jeito. Como você quer viver?

AC - Me amando e me entendendo mais, de forma mais feliz.

OP - Isso foi reforçado durante a pandemia?

AC - Com certeza. A pandemia forçou a gente a olhar para dentro. Refleti sobre muitas coisas e acabei compondo, falando sobre isso.

OP - E as artes plásticas também te ajudaram nisso. Qual a sua relação com as outras artes?

AC - Sempre tive uma relação muito forte com artes plásticas, teatro, literatura e poesia. Uma visão da arte de uma forma geral, nunca pensei seccionada. O show como um todo, o disco num todo. Prefiro ser uma artista múltipla e viver dessa forma.

OP - Durante a pandemia, a canção "Tudo Que For Leve" (2012) voltou à tona…

AC - Deu uma bombada, né!? Foi engraçado.

OP - Tá bombada! E você compôs ainda adolescente. Qual seu sentimento em relação à música?

AC - É uma honra! E eu fiz pra criança. Eu nunca imaginei que fosse atingir tanta gente, de uma forma tão interessante. Ela tem uma mensagem tão positiva, tão limpa, assim, de energias. Ela atravessa! Tem muita gente que me manda assim: "A primeira coisa que eu faço no meu dia é ouvir Tudo Que For Leve" ou "A música me ajudou". E eu fico, 'caraca!'. A gente não pensa na hora que tá fazendo e a coisa vai tomando outra dimensão. É muito bom isso.

Alice Caymmi, cantora e compositora carioca, durante gravação de sua apresentação para o Festival Ecléticos, no Theatro José de Alencar (TJA)
Alice Caymmi, cantora e compositora carioca, durante gravação de sua apresentação para o Festival Ecléticos, no Theatro José de Alencar (TJA) (Foto: Aurelio Alves)

OP - Ao falar sobre a canção, você já comentou que seu avô, (o poeta e músico) Dorival Caymmi, queria ser o autor de "Ciranda Cirandinha". Como se dá essa relação quase ancestral que a arte tem na sua vida?

AC - A minha relação com ele sempre foi maravilhosa. E é um privilégio fazer parte dessa família e ter tido as influências, o acesso à informação e à cultura que eu tive. Eu sou muito grata.

OP - Quais são essas influências?

AC - Desde tudo o que eles me ensinaram até Björk e David Bowie. De música brasileira até um monte de gente.

OP - Alice, você esteve recentemente numa campanha da marca Life by Vivara. A moda também é uma de suas formas de expressão?

AC - Minha relação com a moda começou quando passei a montar meus figurinos. Comecei a entender que eu ia fazer música, mas não era só subir no palco e cantar. Eu também tinha que me expressar de outras formas, de uma forma completa.

OP - Ao longo do tempo, a música, a moda e as artes em geral têm um teor político. Qual a sua visão sobre viver de arte e cultura no Brasil de 2021?

AC - Quem chegou até aqui, quem se mantém ainda fazendo arte, conseguiu, chegou lá. Porque, realmente, a gente sofreu muitos golpes no centro da nossa existência. Os lugares foram vendidos, derrubados ou colocados à míngua. Os artistas foram sucateados. A arte foi deixada de lado, foi colocada como vilã. Na verdade, a arte sempre vai e volta. A história vai e volta e vive os ciclos. Sempre rola esse momento de demonizar os artistas. A gente tá quase que acostumado com isso. Fazer as coisas, hoje, é muita resistência. E privilégio, porque se você consegue viver da sua arte, você tá conseguindo tirar de onde não tem.

OP - Como esse cenário pode ser revertido?

AC - Do jeito que tá, vai levar uns anos pra gente conseguir realmente voltar com a aparelhagem, com o fluxo da economia da cultura. A gente tá tomando só porrada há quatro ou cinco anos, passando por um desmonte. Para montar tudo de novo... Uma vez saindo esse sistema idiota e entrando outro, eu daria dois ou três anos pra gente conseguir realmente funcionar direito. Até lá, é luta. Ainda muita luta. A história vai e volta, a história se repete e os artistas sempre nesse lugar. E sempre resistindo.

OP - O Festival Ecléticos também pode ser considerado um símbolo disso?

AC - Claro! Imagina… Qualquer ato artístico, hoje, é resistência. A gente não tem o menor incentivo. A gente faz, porque a gente resiste.

OP - E você está se aprofundando mais na produção musical. Num espaço dominado por homens, qual o impacto da sua atuação?

AC - Eu tive parceiros, aliados, muito importantes nesse momento. Consegui entrar em frestas, lugares interessantes e provar o meu valor como produtora e como a artista que eu sou. Sempre fui essa artista, sempre produzi tudo o que eu fiz. Ter que se colocar é meio complicado, mas em qualquer mercado que a gente entra, a gente tem que se impor. E aí é o que eu tô fazendo. Trabalhando cada vez mais com produção.

OP - Para finalizar, gostaria que você fizesse um balanço da carreira. E o que vem por aí?

AC - Eu mudei muito, me tornei uma pessoa mais consciente de si. Fui vivendo minha vida e criando camadas importantes de maturidade. Acho que tô num lugar, agora, como intérprete, muito legal. E chegar num lugar como compositora pode ser muito interessante também.

Festival Ecléticos

Quando: aos sábados, entre 25 de setembro e 16 de outubro

Onde: YouTube

Mais informações: @festivalecleticos

Classificação: Livre 

Acompanhe a artista

Instagram: @alicecaymmi

YouTube: /alicecaymmi

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