"À disposição do assombro" (2021), novo trabalho do artista-favelado multidisciplinar Wellington Gadelha, nasceu em meio ao incerto: crise de saúde pública, fechamento dos teatros, proibição da circulação, aumento desenfreado de conservadorismos, racismo arquitetado, assombro tomando de conta. "O assombro está revelado! Por essas e tantas outras, fui notando e comecei a pensar que este assombro que queria falar parte de um ponto de vista sócio-histórico, cultural e político. A partir daí, com esse desejo de olhar de frente para este assombro, sem esquivar, começo a desenhar este novo projeto em dança. Muito consciente que estamos encarnando e sentindo nos corpos a paralisação que esse assombro vem causando, comecei a me perguntar: onde o assombro não entra? Como perspectivar, imaginar e respirar diante dessa configuração que estamos enfrentando no Brasil?", indaga Wellington.
Com edição e montagem de Kiko Alves, captação de imagem de Priscilla Sousa, Roger Pires, Cacheado Braga e Coletivo.doisvetim e desenho sonoro e trilha de Eric Barbosa, "À disposição do assombro" estreia hoje, às 19h, no Panorama Festival. Na obra, um mensageiro favelado se embrenha num pedaço do Ceará Profundo carregando consigo encantarias e a sorte em estar vivo. Sua função é ser guardião, criar a fuga anunciando um "Manifesto do Sonho". A exibição será acompanhada de conversa com os artistas.
"Foi agarrado nas encantarias, amparado nas falanges e por saber que a fala é sagrada que encontrei este nordeste antigo e ancestral para iniciar minha travessia. Circulando, cruzando e encruzando caminhos, as pessoas que encontrei me deram uma força que não consigo localizar. Mesmo sabendo que o assombro paralisa, petrifica, esgota, estanca e tem nos corpos o primeiro lugar de sua expansão, me conectei e percebi que também é nos nossos corpos e no movimento que inventamos e abrimos espaços para o que ainda não existe", continua o idealizador.
No encontro com Mestre Tarina, Benício Pitaguary, Mestre Antônio, Valéria e Veronica no Terreiro das Pretas, Dona Toinha, as protegidas dos orixás, Alécio e outros tantos, Wellington Gadelha compreendeu no corpo inteiro que "reconectar é sonhar em ato". O artista finaliza: "O assombro sempre foi constituinte na vida negra ao longo da história. Não me coloco diante do assombro em posição de recuo. Ele não está mais e nunca esteve à espreita. Mesmo anunciando que breve será a minha vez, vai ficar nos pés toda e qualquer ruindade diante de mim e dos meus! Lance sempre foi que mesmo sabendo que o assombro tá tomando de conta, para não ser devorado, vou encontrando aliados. Devoro total. O senso de favela me salva, se liga?! A favela fura qualquer estrutura e padronização. Estratégia de luta. Reinvenção de vida. A pior desgraça é deixar o assombro cobrir nossos olhos".
"À disposição do assombro"
Quando: hoje, 2, às 19h
Onde: Panorama Festival (panoramafestival.com)
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