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Estrelas da MPB gravam músicas inéditas de Aldir Blanc
Vida & Arte

Estrelas da MPB gravam músicas inéditas de Aldir Blanc

|lançamento| Unindo músicos como João Bosco, Maria Bethânia, Chico Buarque e Leila Pinheiro, disco celebra a carreira do artista, vítima da Covid-19 em 2020
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O compositor Aldir Blanc em sua casa, no Rio de Janeiro (RJ), em 2012 (Foto: Acervo Aldir Blanc/Divulgação)
Foto: Acervo Aldir Blanc/Divulgação O compositor Aldir Blanc em sua casa, no Rio de Janeiro (RJ), em 2012

Quando o letrista e compositor Aldir Blanc morreu, em maio de 2020, aos 73 anos, vítima de Covid-19, além da família, ele deixou órfãs figuras da sociedade brasileira que para muitos - jamais para ele - parecem ser invisíveis. Cronista de mão cheia, em suas letras Aldir rendia glórias a trabalhadores rurais, moradores do subúrbio, balconistas, passistas, quilombolas, público da antiga geral do Maracanã, seres divinais das encruzilhadas, mães de santo, camelôs, apontadores do jogo do bicho, mulheres que amam demais, torturados, entre outros. Por outro lado, denunciava torturadores, censores, sogras impertinentes e críticos mordazes

Apesar da ausência física de Aldir, sua genialidade revive agora no álbum "Aldir Blanc Inédito", que reúne 12 letras escritas por ele e jamais gravadas anteriormente. O lançamento está disponível nas plataformas digitais e, em breve, deve ganhar edição física pela gravadora Biscoito Fino.

A ideia do álbum nasceu quando a viúva de Aldir, Mary Lúcia de Sá Freire, procurou a editora Nossa Música, braço editorial da Biscoito Fino, para organizar os guardados do compositor. Por intermédio da cantora e ex-ministra da Cultura Ana de Hollanda a ideia de um álbum chegou à gravadora.

A partir daí, começou o garimpo com parceiros de Aldir para formar o repertório. No estúdio, o pianista Cristóvão Bastos, companheiro do compositor em um de seus grandes sucessos populares, "Resposta ao Tempo", canção gravada por Nana Caymmi em 1998, ficou responsável pelos arranjos. O baixista Jorge Hélder foi chamado para a direção musical.

As canções foram confiadas a João Bosco, Maria Bethânia, Chico Buarque, Leila Pinheiro, Guinga, Moacyr Luz, Dori Caymmi, Joyce Moreno, Ana de Hollanda, Moyseis Marques, Sueli Costa, Alexandre Nero e Clarisse Grova.

Bosco, um dos primeiros parceiros de Aldir, dá voz ao samba "Agora Sou Diretoria", que remete aos velhos tempos da dupla, nos anos 1970.

Bethânia canta "Palácio de Lágrimas", de Aldir e Moacyr Luz. A cantora baiana já havia gravado, ao longo da carreira, outras três canções dessa parceria - "Medalha de São Jorge", "Rainha Negra" e "Remanso".

Luz, que por mais de duas décadas morou no mesmo prédio de Aldir, na Muda, região do bairro da Tijuca, diz que o compositor fez a música, anos atrás, já para a interpretação da cantora, que não a gravou na ocasião.

Igualmente de Blanc e Luz, dessa vez com adesão também de Bosco, é o bolero Acalento, com todas as dores do mundo às quais o gênero tem direito, que coube a Ana de Hollanda interpretar. "Nos guardados de Aldir, havia indicações para quem ele havia escrito aquilo. Ele sempre me disse que eu, ele e Bosco deveríamos ter uma canção juntos", lembra Luz.

A terceira dos parceiros, com colaboração de Luiz Carlos da Vila, é "Mulher Lunar", à qual o próprio Luz deu voz.

Aldir e Luz fizeram juntos "Coração do Agreste", trilha da novela "Tieta", de 1989, interpretada por Fafá de Belém. Entre tantas recordações que guarda do amigo e vizinho, uma, relacionada a essa música, é especial. "No último capítulo, eu fui para o apartamento do Aldir, e ficamos na janela. Vimos as casas com aquele azul da TV. Todo mundo assistindo e ouvindo nossa música tocar no final da novela", conta.

Joyce Moreno, apesar de amiga do homenageado, nunca havia trocado versos e melodias com ele. A parceria póstuma foi feita por meio de um poema de inspiração feminista publicado por Blanc no jornal Tribuna da Imprensa, em 1986, com o título de "Aqui, Daqui".

Ainda no campo das relações amorosas, ou de seus desencontros, "Voo Cego", de Aldir com o pianista Leandro Braga, é cantada por Chico Buarque, com o cello de Jacques Morelenbaum.

A parceria de Cristóvão Bastos e Blanc coube a Dori Caymmi. O samba-canção "Provavelmente em Búzios" traz versos que parecem um testemunho da profissão de compositor. "Contra o mundo, contra o tempo / Tenho a música e o verso / Cada história que acabar / Viro a folha e recomeço".

Letra que parece ter endereço certo, "Outro Último Desejo" foi enviada à cantora carioca Clarisse Grova por e-mail. Como o título indica, a música faz um paralelo com o samba de Noel Rosa, de 1938.

Das preocupações históricas, políticas e sociais - temas essenciais na obra do compositor - há a faixa "Navio Negreiro", feita com outro habitual parceiro, o violonista Guinga. A canção dos anos 1990 estava em posse da cantora Leila Pinheiro em uma fita que Guinga lhe entregou por ocasião do disco Catavento e Girassol - de 1996, no qual ela canta só a parceria dos dois.

Na gravação, Leila faz dueto com Guinga, que empresta um canto negro, de lamento, à letra. A cantora destaca o conhecimento profundo que Aldir tinha da alma humana - o compositor era formado em Psiquiatria. "Somada a isso, a presença assídua nos bares e na boemia carioca - escola maior não há", completa.

"Aldir Blanc Inédito" não deve ser o único projeto com letras inéditas do compositor. Leila afirma que "há muito mais" no baú do qual ela resgatou "Navio Negreiro". Moacyr Luz também tem outras tantas letras, muitas escritas para novelas - são 18 -, sob encomenda, que não foram gravadas.

Em antigas gravações ou músicas inéditas, as ideias de Aldir Blanc sobrevivem e, por meio delas, é possível dar glória a tantas lutas inglórias. (Agência Estado)

 

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