"Olha aí, Matteus, um traveco pra ti, ó" — um amigo cita, de maneira escrachada. Matteus responde: "Égua, man… Negócio de traveco… Eu gosto é de mulher! Tu é doido, é!?". "Epa, traveco não!", retruca o grupo de amigas que passa por ali. Elas emendam: "Traveco é um termo pejorativo que a sociedade inventou para ofender, discriminar e marginalizar mulheres como nós". Num coro, mandam o recado no bom dialeto cearensês: "Se manque!". Em referência a uma frase bastante difundida na internet, o diálogo segue com Matteus perguntando: "Escutou?". O narrador logo indaga: "O que?". A câmera retorna às mulheres, agora já sentadas em um sofá, que dizem: "O barulho do tabu quebrando!".
A cena dura 21 segundos. Trata-se de uma esquete de humor veiculada nas mídias sociais do cearense Matteus Batista. Na publicação, um alerta: "O termo 'traveco' é ofensivo e desagradável, parem de usar!". Revelação da comédia cearense na internet, Matteus conta com mais de 1 milhão de seguidores nas plataformas digitais. Ele é do bairro fortalezense Jangurussu. Junto à sua turma de personagens, produz vídeos com um humor que une a linguagem e o cotidiano cearense à consciência social sobre temas diversos.
O conteúdo narra vivências entre amigos, aborda a rotina na própria Cidade e quebra a lógica de uma comédia baseada no preconceito. Com essa essência, Matteus prepara um espetáculo de comédia (o stand-up) para 2022. Em outro vídeo, ele aparece na cama com Letícia Marques, conhecida como Alerquina Trans. Eles interpretam namorados. Ela pede: "Fala uma sacanagem no meu ouvido". De prontidão, Matteus aponta: "A gasolina aumentou de novo!".
Outra personagem bastante conhecida é Eliette, proprietária da Quentinha da Eliette. A rotina no empreendimento, localizado no Barroso, é bastante explorada nos vídeos. Eliette, inclusive, tem sido apontada pelos seguidores como a mãe de Matteus. Mas essa resposta só será revelada no show de humor, anuncia o artista. Ainda integram a "turma do Matteus": Kamila, Ívina e Soraya.
Tudo começou ainda na infância. Matteus nasceu em Fortaleza, mas morou boa parte de sua vida em Limoeiro do Norte, município cearense da região do Vale do Jaguaribe. Na escola, participava de feiras culturais e nutria um espírito de liderança. À época, vivia na diretoria. "Era mais por marcação", diz. Gostava de Literatura e Artes. As referências daquele tempo ainda o inspiram, como os programas televisivos "Garras da Patrulha" e "Vila do Riso". O seriado mexicano "Chaves" também compõe essa memória afetiva.
Já na internet, Matteus começou a gravar vídeos dançando, despretensiosamente. As publicações viralizaram nas redes. Matteus destaca a produção em que apresenta o famoso "passinho" do funk brasileiro. Em outro vídeo, no ônibus, ele compete por uma vaga sentado — ilustrando, com graça, o cotidiano de milhares de brasileiros durante os horários de pico do transporte público. Não demorou para alcançar mais pessoas entre Instagram, TikTok, Twitter e Kwai.
Segundo Matteus, o sucesso "resulta de um conjunto". Esse trabalho coletivo surge do dia a dia, de uma maneira muito natural, entre conversas com amigos. "Acho que é por isso que as pessoas gostam!", opina. No último sábado, por exemplo, uma ida à manicure rendeu quatro vídeos. No enredo, confusão sobre quem chegou primeiro para fazer as unhas; relato de calo nos pés por ter trocado uma sandália de marca por uma falsificada; questionamentos sobre casamento e solteirice; além de tatuagens na entrevista de emprego. Quem assiste acaba envolvido nas histórias e quer saber mais.
Entre os temas abordados pelo artista, está a luta da comunidade LGBTQIA+. Em maio de 2019, Larissa Rodrigues, amiga de infância de Matteus, foi morta em São Paulo, vítima de transfobia. Para Matteus, informar por meio do humor é uma forma de conscientizar a população sobre o assunto e homenagear a amiga. "A partir das nossas próprias rodas de conversa, falamos sobre nossas vivências. Usamos a nossa linguagem para as pessoas entenderem e pararem para pensar. Os vídeos são rápidos, mas ficam na cabeça", conta.
Aos 24 anos, Matteus não consegue se definir enquanto artista. "Às vezes, acho que sou mais digital influencer, fico indicando coisas… Outras vezes, me sinto mais comediante… Não sei! O que tu acha que eu sou?" — indagou à reportagem. O fato é que Matteus Batista quer chamar a atenção para o seu lugar. Num contexto em que as favelas sofrem diversas fragilidades, como violência e falta de saneamento básico, o artista sonha em reverberar as vozes do Jangurussu e das periferias da Cidade. "A favela tem muitos talentos para serem revelados", exalta. Ele carrega a ideia consigo até mesmo numa blusa, cuja estampa indica: "A favela é fábrica de talentos".
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