Antes de começar a ler esta matéria, pense em universos fantásticos criados pela literatura. Feche os olhos e adentre uma realidade paralela, onde o mundo em que você está é um lugar inventado por algum escritor. Quais foram as primeiras imagens que cruzaram sua mente? Hogwarts? Terra-Média? Sete Reinos de Westeros? Em todos essas histórias ficcionais, onde estão os brasileiros, os latino-americanos, os indígenas, os negros ou os LGBTQIA ? Em que espaço as histórias que são verdadeiramente nossas se encontram? O mercado literário tradicional, por muitas décadas, tratou as obras como "as narrativas eurocêntricas e as outras". Mas esse "resto", que também pode ser chamado de "escambau" em uma perspectiva mais nacional, combate a tradição para obter um lugar estável. Foi assim que surgiu o Coletivo Escambau, que incentiva a produção de obras brasileiras e a formação de novos escritores.
A história do grupo iniciou há seis anos, quando Wilson Júnior decidiu começar a escrever. Ele procurou alguns amigos próximos da área que pudessem ajudá-los com leitura crítica e outras recomendações, já que ainda era inexperiente. A partir desse processo natural, várias pessoas passaram a se reunir de maneira virtual e presencial para aprimorar suas respectivas produções. Publicações nas redes sociais deram o pontapé para o "Prêmio Escambau de Microcontos", que alcançou prestígio em território nacional e recebeu várias narrativas.
Com desafios semanais e a newsletter "Pulpa", o coletivo traçou seu caminho até o lançamento de plataforma on-line voltada para formação de escritores. "A 'Pulpa' é formada por contos de ficção especulativa. A 'pulpa mágica' é uma subversão do 'pulp fiction', histórias especulativas que saíam em revistas baratas nos Estados Unidos. A ideia é ter isso do pulp, da narrativa ficcional mais aventuresca, voltado para a brasilidade", afirma o fundador Wilson Júnior.
Desde o fim do ano passado, também divulgam a revista "Escambaunática", que tem três edições disponíveis em formato on-line e gratuito. A quarta edição será lançada no dia 15 de outubro e terá contos como "O que enterramos no lago", de Heitor Zen, e "Ruínas", de Luísa Montenegro. "Nosso sentimento é muito de respiro. Não acreditamos muito nisso de originalidade, mas podemos construir a sensação de originalidade. Bebemos desse processo de decolonização e pós-colonização - vale destacar que a decolonidade não é só geográfica. Existe um modelo de ser humano colocado nas histórias que é o homem branco, heterossexual, classe média alta e cristão. Isso não é o mundo", pontua o também professor literário.
Para ele, a literatura produzida com os mesmos arquétipos não contemplam a sociedade atual. "A priori, o leitor brasileiro ainda tem muito preconceito com escritores brasileiros. Mas isso tem mudado. A questão identitária é a grande pauta sociopolítica. As pessoas estão buscando essa identidade nas obras. E tem cada vez mais espaço não só no mercado, mas também entre a crítica especializada", indica.
Para ter acesso aos conteúdos do Escambau, há uma assinatura mensal através do Catarse, plataforma de financiamento coletivo. Os valores, que variam entre R$ 5 e R$ 35 com o objetivo de manter as produções acessíveis ao maior número de pessoas, dão acesso às videoaulas, às revisões comentadas dos textos e à comunidade on-line. Nos vídeos educativos, há ensinamentos sobre contos, poesia, diálogos, tipos de narrador e outros.
O futuro do Escambau
Com três meses para acabar o ano, o coletivo já planeja os projetos para 2022, que incluem novas edições da newsletter e da revista. Mas, para além disso, o objetivo é concretizar a plataforma educativa para formação de novos escritores e lançar um trabalho voltado para a literatura contemporânea. Também há projetos para iniciar uma editora. "Queremos começar a publicar obras, especialmente, da nossa comunidade. Apesar de nossa comunidade ser aberta, conhecemos os projetos das pessoas que já estão no grupo. Estamos tentando criar mecanismos para poder publicar", revela.
Uma das maneiras que encontraram de iniciar a publicação de obras próprias é com o lançamento do livro "999", de Wilson Júnior. Até dezembro, ele disponibilizará um processo de financiamento coletivo para sua história. "Meu livro está finalizado. Vou fazer um financiamento coletivo e tentarei publicar outra pessoa, com uma opção para incentivar a minha e outra publicação. Quero ver se consigo ser bem-sucedido no Catarse para abrir a editora de uma maneira mais segura", indica.
Em seu enredo, que será divulgado posteriormente, foca em um feudo no norte de Portugal durante o ano de 999. Na época, uma série de eventos ruins acontece com a população do lugar. Por isso, um padre do local acredita que os anos 1000 não chegarão, porque ocorrerá o fim dos tempos. "Existe essa tensão religiosa e esse caos que vão acontecendo no lugar. É um trabalho que combina uma identidade de um passado - sou um historiador -, narrado do ponto de vista de quatro personagens", diz.
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Para apoiar: na plataforma Catarse
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