Em um passado não tão distante, a carreira musical não era prioridade para Vannick Belchior, intérprete emergente na cena cultural cearense. Embora desde cedo já soubesse que a cantoria seria por onde deveria enveredar, estar profissionalmente em um palco remetia ao pai, o cantor Belchior. Quando ela ainda era criança, o artista de Sobral decidiu viver em reclusão. A escolha despertou questões internas em Vannick que necessitaram tempo para serem processadas. Agora, aos 24, a mesma idade em que Belchior saiu do Ceará para tentar o destino na arte, a caçula - e única filha nascida no Nordeste - estreia na música com o projeto "Das Coisas Que Aprendi Nos Discos", o despertar de sua caminhada artística e símbolo da reparação com o familiar.
"Estou começando a partir da obra do meu pai porque eu não poderia seguir adiante como cantora se eu pulasse isso. Quando eu toco na obra dele é como se eu estivesse segurando a sua mão e ele me dissesse: 'Vá, filha, avante! É o teu caminho'", justifica a cantora. Desde o dia 1º de agosto, Vannick apresenta um repertório formado pelos clássicos de Belchior, composto pelas músicas que "não faltariam caso ele fizesse um show aqui". Na quarta-feira, 13, ela avança mais um passo e lança o primeiro single, o medley "Divina Comédia Humana / Medo de Avião".
Vannick deixa claro que foi a música quem a encontrou. Durante as últimas etapas da graduação em Direito, em 2020, o "chamado" foi atendido após encontro com o músico Tarcísio Sardinha, amigo de longas datas de Belchior e atual "maestro" da artista. "Foi emocionante, circunstancial para tudo começar. Eu o conheci três dias antes do aniversário do meu pai, em outubro do ano passado, ele me chamou para dar uma 'canjinha'. Eu comecei a cantar e ele disse: 'já sei com quem vou matar a saudade de tocar Belchior'", relembra.
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O timbre singular e a interpretação expansiva marcam a herança poética e artística da cantora, recebida e repassada sem o provável pesar das comparações. "Eu tenho sentimentos muito delicados enquanto carrego este nome na parte familiar. Eu acredito que eu tenha essa competência", argumenta. Embora tenha como referência uma das maiores vozes da Música Popular Brasileira (MPB), Vannick ressalta: "Eu quero dar meu próprio nome enquanto artista. Represento essa obra grandiosa do meu pai, mas não me deixo levar pelas pressões porque acho que cada ser é único e tenho certeza que se ele estivesse aqui era isso que ele ia me dizer".
A certeza em acessar esta nova fase chegou depois de um extenso processo de autoconhecimento, descoberta e amadurecimento, inevitável para mergulhar nas obras de Belchior. "Eu me descubro enquanto artista e eu o entendo enquanto pai, enquanto ser humano. É uma nova forma de sentir a presença dele. Não somente quem foi Belchior na música, mas quem é essa figura masculina na minha vida e ressignificar o momento da ausência, que foi muito impactante", acentua. Por isso, hoje, Vannick prefere destacar a presença, sentida por meio dos fãs, da energia ao conectar com a música dele e das portas que se abrem ao levar este sobrenome.
Após um período atribulado na vida pessoal, o primeiro semestre de 2021 trouxe um respiro para entender as mudanças internas. Enquanto a pandemia voltava a impor medidas rígidas de isolamento, a cantora dialogou consigo mesma, distante das interações e redes sociais. "Eu sabia que seria primordial para o que estava por vir. Eu precisava encarar meus incômodos, as dores, as profundezas, para que eu pudesse me transformar. Eu estava passando por um processo de metamorfose, mesmo. O meu eu enquanto artista de hoje é total consequente deste período, sem dúvida".
Iniciando com composições marcantes similares ao sucesso "Como Nossos Pais", Vannick perpetua a continuidade artística no mesmo ano em que o pai completaria 75 anos, em 26 de outubro. "À medida em que são letras generalizadas, porque atinge a maioria dessa população, também é muito sutil porque alcança a particularidade de cada pessoa. As composições, as melodias, perdurarão por muito tempo no Brasil porque ele [Belchior] fala nada mais do que os ciclos inconscientes da sociedade", defende. Junto à voz do cantor cearense, tantas outras se somam para criar o universo imagético da cantora. Entre as mulheres, destaca-se a qualidade interpretativa de Elis Regina, a personalidade irreverente de Rita Lee, a sensualidade e sensibilidade de Gal Costa e Bethânia. "Eu sou puramente brasileira, extremamente tropical e apaixonada pela cultura", descreve.
A realidade que vislumbrava na infância, quando o pai a levava aos shows, agora já é mais tangível. A nova roupagem musical que inseriu nos clássicos do compositor cearense também ganha o público, que recebe a cantora calorosamente em meio ao êxtase das novas experiências. Enquanto se aproxima dos 25 anos "de sonho, sangue e América do Sul" cantados por Belchior, o desejo de Vannick é continuar explorando e expandindo.
Lançamento "Divina Comédia Humana/Medo de Avião"
Disponível em todas as plataformas digitais a partir de quarta-feira, 13.
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