Desde a saída de Milhã, município localizado no Sertão Central do Ceará, Marivalda Kariri expande enquanto artista. Estreou em São Paulo com os choros na década de 1970 e se consagrou nacionalmente como uma das grandes vozes femininas do forró raiz. Aos 80 anos, celebrados em 2021, festeja o longo percurso artístico com apresentação especial do show “Fados, Choros e Canções” neste domingo, 17, diretamente do Cineteatro São Luiz, em conjunto com o lançamento oficial do DVD homônimo.
O repertório é composto por diferentes gêneros da música lusitana, como fados e mornas, em uma proposta de intercâmbio cultural entre Portugal e Brasil. O trabalho, por exemplo, conta com clássicos de ambos países, como “Nem às paredes confesso” e “Anahi”. A decisão foi influenciada pelas memórias de familiares próximos com origens portuguesas. “Minha avó e minha bisavó gostavam muito de cantar essas músicas. Eu escutava enquanto criança, via o sotaque, achava que era muito difícil dominar a linguagem do fado mais comum, que tem uma melodia muito bonita, mas aprendi", conta Marivalda ao desenvolver a motivação para o projeto.
Resgatar canções tão íntimas em um marco importante na trajetória pessoal e profissional é uma forma de confirmar que, na roda da vida, “você acaba chegando no ponto de partida”, como compara a cantora. Por isso, também foi de interesse agregar a participação de bons companheiros da área no projeto. Alguns exemplos são o cantor instrumentista gaúcho Zeca Costa, o cordelista Aldanísio Paiva, o bandolinista Tarcísio Sardinha, entre outros. "O álbum caminha entre os clássicos da minha vida e é muito importante que o artista deixe essas coisas boas registradas, que jamais vão ser esquecidas”, consta.
Nos mais de 60 anos de carreira, a também compositora e cineasta já gravou mais de 20 discos e produziu um documentário sobre a própria vida. "É muita longevidade. A gente conta com o envelhecimento, mas não é sempre fácil porque os obstáculos da vida são grandes, como a idade, a fragilidade, o que a gente passa trabalhando como artista, ainda mais no Brasil", enfatiza. Ao escolher "sobreviver da arte", ela precisou se transformar em uma profissional completa. "Eu sempre falo que sou a sertaneja que veio de barro, do barro se faz obra de arte".
Ela ressalta a ajuda de artistas e amigos, como Jackson do Pandeiro e Luiz Gonzaga, na consolidação artística. Marivalda fez parte da dupla “Duo Diamante”, cantou chorinho, baião, xote, música romântica e, claro, forró. Após a explosão da jovem guarda no País, a cantora buscou a reinvenção para manter o ritmo nordestino em relevância. "Eu comecei a ver o forró despencando nas casas de show em São Paulo. Foi quando Luiz Gonzaga pensou em levar uma caravana de artistas para o Amazonas, onde tinha muitos nordestinos”, relembra.
O sucesso foi firmado pelas composições humorísticas e de duplo sentido, como "Toco Cru Pegando Fogo" e "Mulher de Garimpeiro". “Fui uma das primeiras cantoras a cantar música de sentido dúbio. Fui muito respeitada, não tenho como esconder nem ter vergonha dessa passagem na minha vida", comenta. Na música, resistiu priorizando o que trazia apelo popular e conquistava o público. "Esse forró raiz sempre foi tudo na minha vida. Por mais que eu tenha um repertório diferente, as pessoas gostavam das minhas origens. Tudo o que eu fiz foi tudo muito proveitoso, virei fã de todas as estéticas".
Após um período distante do Ceará, retornou ao Estado para buscar auxiliar seus conterrâneos com o Museu e Casa de Cultura Marivalda Kariri, em Milhã. A organização desenvolve projetos culturais e pretende aumentar as oportunidades locais. "As pessoas me perguntavam porque eu voltei para a terra onde eu nasci, um lugar tão difícil. O Ceará tem pessoas muito carentes dessa prosperidade cultural. No meu sertão tem muita gente boa, poesia, artesanato, música. São sementes que, dentro da cultura, você planta e faz com que crie raiz", defende.
Como artista, a cantora semeia os princípios e sonhos incansavelmente. Mesmo após a pandemia, manteve a calma e buscou formas de se adaptar, como fez em outros momentos difíceis. Decidiu passar mais tempo com a família, cuidar da saúde e continuar com o trabalho. Participou de lives, entrevistas e contatou colaboradores para concretizar a gravação do DVD “Fados, Choros e Canções” no mês de junho.
"É preciso saber cantar, conquistar o público e saber vender. Foi isso que eu procurei trazer durante a pandemia. Nós conseguimos com a ajuda de todos, dos meus amigos e das pessoas que me acompanham, desde crianças até os de mais idade", menciona. Os planos futuros envolvem levar o show para uma temporada em Portugal, como foi inicialmente idealizado. No mais, resta agradecer às conquistas. “Os meus 80 anos merecem ser comemorados pela minha fortaleza, minha força. Deus tem sido muito generoso comigo, eu tenho muita gratidão à vida”.
Show especial "Fados, Choros e Canções"
Quando: Domingo, 17, às 18 horas
Onde: No Cineteatro São Luiz
Quanto: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia)
Venda de ingressos pela bilheteria do Cineteatro e pela plataforma Sympla.
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